Este trabalho é uma etnografia das relações entre humanos e não-humanos no núcleo populacional da Prata, Quilombo Kalunga, Goiás. Busquei abranger uma diversidade de atuações, motivações e perfis distintos, tanto humanos quanto não humanos, proporcionando a construção de uma imagem mais robusta de uma das comunidades que compõem o Quilombo Kalunga. Isso foi feito a partir de três anos de parceria com a Associação Quilombo Kalunga (AQK) e uma imersão em campo durante o segundo semestre de 2023, a partir de uma estratégia simétrica de observação participante. No primeiro capítulo da dissertação analiso a "Época do Projeto", forma local de se referir ao período do Projeto Kalunga - Povo da Terra (1970-1990). Essa fase é crucial para compreender a temática Kalunga, sendo academicamente essencial referenciar os resultados desse projeto. Posteriormente, são explorados detalhes do Sítio Histórico e Patrimônio Cultural Kalunga (SHPCK), características do território, flora e fauna, além de uma análise do núcleo populacional da Prata, com ênfase na atividade de criação de bovinos. No segundo capítulo, aprofundo a análise da relação da comunidade quilombola da Prata com o meio ambiente, centrando-me no papel crucial do gado nesse contexto, revelando experiências acumuladas ao longo do tempo e contribuindo para a construção do ethos característico da comunidade rural. A narrativa abrange a história do gado na região, com ênfase na "Era do Curraleiro". Estratégias de criação são discutidas, considerando vantagens e desvantagens, variações nas fases de crescimento, raça e método de criação. O capítulo explora o mercado local de gado na comunidade Kalunga, destacando a complexa rede de relações comerciais e as escolhas enfrentadas pelos criadores. Concluindo o capítulo, exploro a relação entre a construção da memória do curraleiro e a coesão social da comunidade. No terceiro e último capítulo, adentro o universo da convivência da comunidade Kalunga com a fauna selvagem, no “Período da Onça”. Faço uma descrição dos animais selvagens mencionados pelos interlocutores e exponho os conflitos locais. No desdobramento do capítulo, detalho as estratégias para lidar com os desafios apresentados pela vida selvagem. Comparo essas estratégias com métodos de redução de conflito espalhados pelo mundo, evidenciando as distintas formas de convívio com grandes carnívoros. Esta etnografia visa ocupar espaço em um campo de trabalho multidisciplinar centrado nas populações humanas e em suas interações com os demais seres que habitam o planeta Terra. A abordagem centrada na ação e nas escolhas e a perspectiva simétrica visam contribuir para a reflexão sobre processos de pesquisa mais eficazes para esse campo.

Com o surgimento das novas tecnologias, vieram novos desafios, e dentre eles os resíduos de equipamentos elétricos e eletrônicos (REEE). A geração desses resíduos vem crescendo muito nas últimas décadas, tornando os REEE uma parte considerável dos resíduos gerados globalmente. O tratamento adequado desses resíduos é uma questão que necessita de atenção, pois podem causar danos ao meio ambiente e à saúde humana. Assim, os países desenvolvidos, os maiores produtores desses equipamentos e seus resíduos, adotaram regulamentações ditando regras sobre o seu gerenciamento, o que levou à alta no custo de gerenciamento. Isso levou a um novo fenômeno, a transferência desses resíduos para países onde a legislação seja menos rígida e o gerenciamento realizado majoritariamente no setor informal de forma inadequada, como o Benim. Para solucionar esse problema, a comunidade internacional adotou em 1989 a Convenção de Basiléia sobre o controle dos movimentos transfronteiriços de resíduos perigosos e sua eliminação. Apesar da existência desse acordo, e outros como o de Bamako (1991), a transferência dos REEE para os países do Sul só vem crescendo. No Benin, não existe, no momento, uma legislação específica que rege os movimentos e o tratamento desses resíduos, embora o país seja parte dos acordos acima citados. Os estudos já realizados usam a carência de lei como o principal motivo da continuidade e abundância de REEE no país, colocando o simples fato da existência da convenção de Basileia como suficiente para evitar os movimentos transfronteiriços. Assim, não questionaram a eficiência da convenção, nem a partir do contexto da adoção, e nem a partir do seu texto substantivo. Por isso, esta dissertação se deu como trabalho analisar os motivos da continuidade dos movimentos ilegais dos REEE no Benim, além das razões de legislação interna sempre mencionadas em pesquisas. Durante as negociações da convenção, as partes não chegaram a um acordo, e o texto final da convenção de Basileia não levou em conta o desejo de todas as partes, sobretudo aquele dos países africanos em proibir o envio desses resíduos para seus territórios. Os países desenvolvidos encontraram caminho livre para enviar seus REEE através de doações para os países em desenvolvimento. O Process tracing permitiu colocar o debate num contexto histórico-político mais amplo, o que possibilitou enxergar incoerências nas disposições da convenção em relação às condições internas do país, as quais podem estar ligadas à continuidade.

O processo sancionador ambiental do Ibama é o instrumento por meio do qual são constituídas as multas aplicadas em função das infrações administrativas ao meio ambiente, que se prestam a somar com a sistemática da tríplice responsabilidade constitucional (art. 225, § 3º), a fim de que a coletividade desfrute da sadia qualidade de vida e de um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Apesar dessa importância como um instrumento de comando e controle da política ambiental, esse processo foi fortemente enfraquecido no período entre 2020 e 2022, ao ponto de registrar sensível baixa na quantidade de multas lavradas e de autos de infrações julgados. Para compreender as razões que levaram ao enfraquecimento do instrumento sancionatório do Ibama, a pesquisa pautou-se primeiramente em avaliação empírica e documental de uma série de medidas adotas pelo governo federal à época, no campo normativo, estrutural, institucional, de gestão e ideológico, que foram objeto de reflexão em nível de grupo focal virtual, para aperfeiçoar proposições acerca dos principais eventos que concorreram para o desmantelamento desse instrumento. A partir dessa reflexão, foram aplicados questionários em servidores que atuam com a fiscalização ambiental e atividades de instrução e julgamento das sanções, que permitiram estabelecer categorias de investigação, a partir da aplicação do critério semântico da análise de conteúdo de Laurence Bardin, que serviram para construir capítulos e subcapítulos da avaliação empírica da pesquisa. Buscou-se esclarecer se a pandemia do novo coronavírus e a mudança do entendimento jurídico sobre a apuração das infrações ambientais, que ocorreram no mesmo período delimitado da pesquisa, teriam contribuído de forma significativa para provocar a redução nos resultados do processo sancionador ambiental, sendo constatado que esses eventos não tiveram repercussão maior que as medidas adotadas pela esfera governamental. Constatou-se que a situação vivenciada em âmbito do processo sancionador ambiental do Ibama tinha o intuito de aniquilar esse instrumento, tornando desprezível as sanções aplicadas e as pendentes de constituição, extrapolando as hipóteses de desmantelamento conhecidas pela ciência política (capturar, desmantelar, sabotar ou reformar). Propôs-se a positivação de regras e diretrizes do processo sancionador ambiental em lei, como alternativa para fortalecer esse instrumento, colocando-o em nível de política pública de Estado para ser menos suscetível aos efeitos drásticos das medidas de desmantelamento da proteção do meio ambiente, almejando com isso incentivar outros estudos a não se limitarem em descrever e enumerar as diversas faces do desmantelamento, mas a avançarem na indicação de soluções que possam contribuir com a estabilidade das instituições e de boas políticas públicas.

Os resíduos sólidos são, atualmente, uma das adversidades mais evidentes da humanidade, principalmente no contexto dos grandes centros urbanos, envolvendo questões econômicas, sociais e ambientais. Grandes volumes são produzidos diariamente, impulsionados pelos novos tempos de consumo exacerbado, cuja origem está embasada no modelo econômico linear. Nesse cenário, a economia circular (EC) surge como uma alternativa interessante e viável. Por meio de seus princípios, é possível ampliar a consciência da população; otimizar o consumo; estimular a redução, reuso, reparo e reciclagem; desenvolver produtos inovadores; gerar valor nas cadeias produtivas e diminuir os impactos ambientais. É nesse contexto que a presente tese foi escrita. Seu objetivo foi analisar se a EC pode aprimorar o sistema de gestão de resíduos sólidos urbanos do Distrito Federal (DF) a partir da percepção de atores sociais. O trabalho iniciou com a formação de uma base teórica e revelou que o atual sistema linear impulsiona a formação de resíduos sólidos pela forma como funciona: extrair, produzir, distribuir, consumir e dispor. Em contrapartida, surge a EC que busca estimular a redução, o reuso, o reparo e a reciclagem, ou seja, segue o caminho oposto. Como aspectos metodológicos, num primeiro momento, foi realizada uma pesquisa nas bases científicas Scopus e Web of Science (WoS) e os resultados tratados por meio da Linguagem R, juntamente com os pacotes Bibliometrix e Shiny. Também, foi realizada uma pesquisa quantitativa e outra qualitativa sobre as leis 12.305/2010 e 5.418/2014 comparando seus artigos com os princípios da EC. Para isso, foi utilizado o software NVivo 11 e uma matriz de correspondência. Além disso, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com atores sociais divididos em três categorias: poder público, setor empresarial e sociedade civil. As perguntas foram elaboradas com base em três aspectos (desafios, oportunidades e estratégias) do atual modelo de gestão de resíduos e a aplicação dos princípios da EC em sua estrutura de funcionamento. Por fim, foi proposto um modelo teórico circular de gestão de resíduos sólidos para o DF inspirado no IAD Framework de Elinor Ostrom. As análises mostraram que é possível adaptar a proposta apresentada nesta tese ao contexto do DF, tendo como base as informações coletadas junto aos atores sociais e à urgência que a sociedade tem em relação a novas tratativas sobre os resíduos sólidos. Para isso, seria necessário um forte engajamento desses atores sociais para que estimulasse a adoção dos princípios circulares por meio da cooperação em torno de objetivos comuns.

A presente pesquisa quali-quantitativa aplicada em estudo de caso visa avaliar a sustentabilidade do sistema de gestão de RCC do Distrito Federal (DF) pela abordagem da hierarquia da gestão de RCC (3Rs) - redução, reuso e reciclagem -, e se este reflete as políticas de resíduos sólidos existentes no Distrito Federal e no Brasil, implementadas a partir de 2010, tendo em vista que os resíduos da construção civil (RCC) são os principais e mais críticos resíduos gerados na sociedade. Apesar disso, a construção civil é potencialmente o setor que mais apresenta possibilidades de incorporação de resíduos em novos materiais. Inicialmente, a pesquisa realiza o resgate histórico da experiência do sistema de gestão dos RCC nos últimos doze anos, por meio de pesquisa documental e de entrevistas conduzidas junto aos órgãos do governo responsáveis pela gestão de RCC no Distrito Federal e a grandes geradores. Posteriormente, a análise dos dados coletados permite avaliar a sustentabilidade do sistema de gestão de RCC do DF – após a implementação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), em vigor desde o ano de 2010 – e investigar e compreender o papel e o potencial dos grandes geradores de RCC na redução da geração e na sustentabilidade da gestão de resíduos da construção civil (GRCC) no Distrito Federal. Os resultados demonstram que a gestão de RCC realizada no DF é uma das mais sustentáveis no Brasil, e os pontos que mais necessitam de atenção e ações prioritárias para a melhoria da GRCC do DF – com a redução das taxas de geração e aterramento (TG-RCC e TA-RCC) e o aumento da taxa de desvio de aterros (TD-RCC) – são a segregação dos RCC nos canteiros de obra, etapa da gestão realizada pelo grande gerador, e a disposição irregular, que ainda representa cerca de 40% do total de RCC coletado no DF, e é um contingente direcionado à destinação final, sem tratamento intermediário. A partir dos resultados, são feitas considerações e sugestões que podem auxiliar na tomada de decisão por parte dos agentes públicos responsáveis pela gestão de RCC no Distrito Federal.

O presente trabalho tem como objetivo compreender como os indígenas se compreendem e são compreendidos dentro de uma agenda de desenvolvimento, a partir do debate acerca da participação. Para tanto utilizou-se o projeto Mecanismo de Doação Dedicado aos Povos Indígenas e Comunidades Locais Brasil (Dedicated Grant Mechanism for Indigenous Peoples and Local Communities Brasil - DGM) como estudo de caso, haja vista a riqueza de atores que compõem seu desenho – Banco Mundial, Organizações Não Governamentais, órgãos da administração pública federal, Povos e Comunidades Tradicionais, Quilombolas e Povos Indígenas.

A metodologia envolveu a análise documental do projeto e realização de entrevistas semi-estruturadas com representantes de Povos e Comunidades Tradicionais, Quilombolas e Povos Indígenas sobre de dois marcos de participação no DGM: a realização de consultas livres, prévias e informadas para desenho do projeto e a gestão do projeto via Comitê Gestor Nacional. A análise desses dados foi realizada mediante narrativa conjunta com a principal literatura acerca da participação em projetos de desenvolvimento e grupos etno-culturais diferenciados.

Dos dados analisados pode-se compreender que tais grupos não se compreendem como homogêneos ou consensuais, ainda que compartilhem demandas e contingências históricas semelhantes. A participação para eles é melhor quando realizada em contextos de livre e auto-organização de tempos e espaços, sendo a velocidade de execução e as linguagens técnicas em ambos momentos as limitações mais enfatizadas para sua compreensão e efetiva participação. O poder decisório é considerado importante, ainda que compreendam as limitações impostas pelos financiadores e agentes fiduciários, percebendo-se a existência de disputas de poder para acesso aos recursos tanto entre os diferentes segmentos do projeto, quanto entre estes e os agentes financiadores e fiduciários. Por fim, os dados apontam também que a participação no DGM foi considerada enriquecedora enquanto formação de agentes políticos, mas que a distância entre o resultado das consultas e o efetivamente executado pode enfraquecer os segmentos frente às suas organizações de base.

O desmatamento é um problema que gera efeitos nocivos em diversas dimensões, sendo particularmente grave na Amazônia Legal. Dentre eles, provoca alterações em regimes hidrológicos, perda de biodiversidade, desequilíbrio dos ecossistemas, perda de produtividade agrícola, prejuízos à saúde humana. Também está conectado à grilagem de terras e à violência no campo. Além disso, é a principal fonte de emissão de gases de efeito estufa no Brasil, causadores das mudanças climáticas. O desmatamento é um fenômeno complexo e que tem diversas causas. Há fatores causais de natureza econômica, como o câmbio e o preço de commodities como soja, carne e madeira. A execução de obras de infraestrutura na região também tende a provocar seu aumento. O desmatamento é influenciado, ainda, por um terceiro grupo de fatores, aqui denominados de político-institucionais, que estão ligados aos arranjos governamentais implementados para seu controle. A pergunta que o trabalho se propõe a responder é como as mudanças dos arranjos político-institucionais da política de controle do desmatamento na Amazônia Legal promovidas pelo Governo Bolsonaro contribuíram para a aceleração do aumento das taxas de desmatamento ilegal na Amazônia Legal. Os fatores político-institucionais escolhidos foram as alterações nos órgãos do Governo Federal encarregados do controle do desmatamento na Amazônia Legal e as modificações nos instrumentos de planejamento da respectiva política. A pesquisa é fundamentalmente qualitativa e o método utilizado é o Process Tracing, que é um método de estudo de caso aprofundado que investiga um mecanismo causal, que liga um ou mais fatores causais a um resultado. O mecanismo causal hipotetizado tem três partes, que contêm aspectos como coesão da ação estatal, centralização, capacidades estatais e desmantelamento de políticas públicas. Para testar o mecanismo causal, as principais fontes utilizadas foram normas pertinentes ao tema, documentos produzidos pelos órgãos envolvidos (como atas de reuniões, relatórios, notas informativas), relatórios de instituições públicas e do terceiro setor que tratam da temática, informações obtidas por meio de entrevistas e dados orçamentário-financeiros Os resultados empíricos coletados confirmam o mecanismo causal hipotizado inicialmente. As alterações promovidas pelo Governo Bolsonaro nos órgãos encarregados do controle do desmatamento na região e nos instrumentos de planejamento dessa política provocaram, respectivamente, uma falta de coesão da ação estatal para o enfrentamento do problema e uma centralização dessa política. Essa falta de coesão e a centralização, por sua vez, fragilizaram as capacidade estatais para o controle do desmatamento, o que gerou um desmantelamento dessa política, na sua vertente de comando e controle. Todos esses elementos indicam a influência das alterações dos fatores político-institucionais estudados na aceleração do aumento das taxas de desmatamento na região.

No Cerrado a agricultura familiar tem por característica constituir um sistema agroextrativista. As produções

podem ser variadas, tratando-se, portanto, do conjunto de diferentes atividades produtivas que a família tem

em sua propriedade. Em Goiás, na área hoje reconhecida pelo Governo de Goiás por Sítio Histórico e

Patrimônio Cultural Kalunga (SHPCK) e pela ONU como o primeiro Território e Área Conservada por

Comunidades Indígenas e Locais (TICCA) do Brasil, o povo Kalunga usufrui dos recursos dados pelo

bioma para seu autoconsumo e comercialização. Devido ao isolamento, eles desenvolveram um forte

vínculo com o bioma e condições para que sobrevivessem. Assim, os moradores da comunidade Kalunga

Vão de Almas, são agricultores, extrativistas e alguns mantêm a tradição da pesca. O extrativismo não

apenas gera renda, fornece produtos para consumo e fabricação de utensílios e ferramentas. A prática

extrativista é, portanto, mais do que uma atividade que permite um retorno financeiro para quem a exerce.

Faz parte da tradicionalidade dessas pessoas. Utilizando-se do método LUME, uma ferramenta capaz de

absorver as relações entre as áreas social, econômica e ecológica dentro do sistema agroextrativista, o

objetivo geral do trabalho é o de analisar a função do extrativismo dos frutos do Cerrado nos sistemas

produtivos Kalunga e entender como esses garantem as condições mínimas para a reprodução social das

famílias. Com os objetivos específicos, deseja-se: i) caracterizar o sistema agroextrativista; ii) identificar e

mapear os fluxos de insumos, produtos, rendas monetárias e não monetárias do sistema agroextrativista; iii)

descrever a divisão social do trabalho dentro do sistema agroextrativista. Os resultados apontaram que a

atividade extrativista é de responsabilidade das mulheres; em regra, o extrativismo sempre é associado a

alguma outra fonte de renda e não custeia as principais despesas, mas é renda importante para a reprodução

social das famílias; as produções agrícolas e as criações de animais traduzem a autossuficiência da

comunidade e formam estratégia de renda para as famílias. A força que há nessa relação povo-território

traduz a resistência de um povo e a garantia de que não apaguem a história dos Kalunga. Fica evidente a

necessidade de uma organização social que contemple os moradores de toda o território atuando para

distribuição igualitária das oportunidades que chegam e que supere os conflitos pessoais que existem

visando o fortalecimento da comunidade.

As práticas tradicionais de uso do fogo por comunidades quilombolas são pouco documentadas na literatura. Buscamos neste 

trabalho descrever as práticas de uso do fogo por comunidades quilombolas Kalunga. Com isso, documentar a época de uso do 

fogo para as roças de toco e para a criação de gado, e identificar também, a partir de percepções Kalunga, os principais fatores 

externos que influenciam na realização das queimas, como as mudanças climáticas e mudanças de uso da terra no Cerrado. O 

estudo foi realizado em quatro regiões do Território Quilombola Kalunga (TQK), são elas: Vão de Almas, Vão do Moleque, Prata 

e Engenho. Para a coleta dos dados de campo foram utilizadas entrevistas em profundidade com moradores que fazem uso do 

fogo em suas práticas tradicionais e alguns brigadistas do Prevfogo/Ibama que atuam no Território, além de percursos 

comentados com a finalidade de identificar e descrever áreas produtivas. Dentre os entrevistados, todos usam fogo em suas 

práticas produtivas, sendo que está havendo alterações na época para realização das queimadas controlada para fins 

produtivos. Os Kalunga têm percebido mudanças na vegetação e alterações no ciclo hidrológico de forma que influenciam no 

uso do fogo para as práticas produtivas. As alterações nas épocas das chuvas percebidas pelos entrevistados foram 

corroboradas com dados climáticos da região. Ao relatarem os motivos que levam às mudanças na vegetação, há variações nas 

respostas, assim não é claro para todos os Kalunga os fatores que realmente causam essas mudanças, todavia as grandes 

plantações de monoculturas no Cerrado vêm impactando na estrutura de vegetações, na disponibilidade de água e no regime 

hídrico superficiais de forma que pode trazer alterações na vegetação nativa. Esta pesquisa contribui ao destacar a 

importância de trazer as percepções locais para se pensar no manejo de territórios, além de ter um olhar para o uso do fogo 

como uma ferramenta de manejo da terra, e explorar os potenciais impactos de mudanças ao longo dos tempos em práticas 

tradicionais de uso do fogo.

A Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO) foi instituída pelo Decreto n° 7.794 em 2012, com o objetivo de integrar, articular e adequar políticas, programas e ações indutoras da transição agroecológica e da produção orgânica e de base agroecológica (BRASIL, 2012). Em que pese a existência de trabalhos que abordaram a análise da concepção, dos resultados, dos impactos e, mais recentemente, o desmonte desta política pública, depois de 10 anos da publicação da PNAPO, ainda restam lacunas de conhecimento sobre (i) quais impactos as mudanças institucionais recentes (2016-2020) provocaram na estrutura de governança da política no âmbito do Governo Federal; e, ii) meios de alavancagem da PNAPO enquanto um arranjo institucional coordenado. Considerando a convergência entre os objetivos da PNAPO e o potencial integrador inerente à abordagem conceitual WEF (water-energy-food) Nexus, operacionalizou-se esta racionalidade em orientações e ferramentas analíticas. Para explorar as lacunas de conhecimento identificadas conduziu-se uma revisão da literatura científica acerca da abordagem WEF Nexus. Propôs-se a categorização dos principais enfoques WEF Nexus em um conjunto de perspectivas analíticas e combinando-as com ferramentas para a análise de redes sociais, elas foram utilizadas como orientação para analisar os impactos das mudanças institucionais recentes (2016- 2020) na estrutura de governança da PNAPO no Governo Federal. Os resultados da pesquisa evidenciam que a rede interministerial responsável pela governança da agenda de segurança socioambiental da PNAPO está enfraquecida, formalmente desarticulada e que 80% das iniciativas relacionadas à agenda de segurança socioambiental estão contraditoriamente setorializadas no MAPA e em entidades vinculadas (Anater, Embrapa e Incra) ao órgão. Para identificar formas de alavancar a execução do PNAPO no Governo enquanto um arranjo coordenado, três ferramentas inspiradas no WEF Nexus foram desenvolvidas e aplicadas com gestores e ex-gerentes da PNAPO no setor público: a Matriz de sinergias e trade offs, a MSTO; as medidas sínteses de precedência, dependência e co-dependência; e as redes de cooperação intersetorial. A partir da triangulação dos insumos da seção de análise com os feedbacks das ferramentas, a pesquisa conclui que o MMA, INCRA, Anater e Embrapa, setores centrais da rede de governança da agenda de segurança socioambiental da PNAPO, não possuem, na conjuntura política e econômica do governo federal vigente (2019-2022), capacidade institucional para coordenar a manutenção da política no governo central. Por fim, recomenda-se, mediante ajustes estruturais, que a governança informal em prática pela Coordenação de Produção Orgânica do MAPA deva ser a principal inspiração para gerenciar a manutenção da política no governo. No modelo de governança proposto para gerenciar a PNAPO no Governo Federal, identifica-se a necessidade de criação de um painel técnico presidido pelo MMA e com atribuições e funções de controle e de apoio à tomada de decisão. Discute-se um arranjo institucional interministerial que serve tanto para minimizar perdas no contexto político vigente, quanto para impulsionar uma retomada mais eficaz em uma eventual guinada de política que traga movimentos mais alinhados à agenda da agricultura familiar sustentável. Complementarmente, a pesquisa de tese propõe um roteiro de aplicação da abordagem WEF Nexus para análise e integração da governança de políticas intersetoriais.

Este trabalho se insere em uma discussão sobre a integração da perspectiva de gênero ao Desenvolvimento Sustentável, considerando que a questão do Desenvolvimento Sustentável e os debates sobre gênero e desenvolvimento estão inseridos em um processo de governança global. Quando tratados dessa maneira, acordos internacionais interferem nas políticas públicas nacionais/locais e, consequentemente, impactam na vida das pessoas. A proposta do Desenvolvimento Sustentável é que o desenvolvimento precisa ser justo e includente, para tanto as demandas reais das mulheres precisam ser ouvidas e consideradas para que de fato elas estejam incluídas como atrizes em novos modelos de desenvolvimento. O objetivo central desta Tese é compreender as demandas das mulheres trabalhadoras rurais do Semiárido de modo a resgatar suas contribuições para a integração da perspectiva de gênero à sustentabilidade e valorizar o protagonismo dessas mulheres. Para tanto, foi realizado um estudo empírico na região do Cariri Oeste, interior do Ceará, Nordeste do Brasil. Foram entrevistadas 32 mulheres a partir do método da história oral de vida. As mulheres do Semiárido têm um papel muito importante na continuidade desse território, por terem permanecido nesse espaço mesmo em situações adversas e assumido as atividades socieconômicas e culturais durante os longos períodos de estiagem. Os resultados demonstram que as debates sobre gênero e desenvolvimento passaram por algumas fases desde a década de 1950, porém poucas têm sido as alterações recentes dentro da criação de uma estratégia voltada para a discussão de gênero e desenvolvimento sustentável. As agendas internacionais para o Desenvolvimento Sustentável têm repetido elementos que geram a manutenção da invisibilidade das mulheres e seu distanciamento da participação política e de atividades decisórias. Demandas essas que podem ser percebidas no estudo empírico. As mulheres entrevistadas apresentaram necessidades voltadas ao reconhecimento de sua atuação em atividades agropecuárias mais adaptadas às condições climáticas do Semiárido, reconfiguração da autonomia das mulheres nas relações familiares, principalmente na capacidade de decisão, e maiores condições para a participação política. As conclusões mostram que as demandas das mulheres trabalhadoras rurais do Semiárido não apenas são diferentes dos focos das agendas internacionais para o Desenvolvimento Sustentável, mas por vezes as ações que essas mulheres estão realizando ainda precisam ser consideradas nos escopos dessas agendas.

La presente tesis tuvo por objetivo analizar el proceso de invasión y acaparamiento de tierra en los territorios indígenas de la Reserva de Biósfera Bosawas, como un fenómeno histórico, por medio de los mecanismos políticos de desposesión de la tierra comunal indígena, implementados o impulsados por y desde el Estado de Nicaragua. Se hizo revisión documental y se entrevistaron a dieciséis actores claves para analizar los procesos históricos de control de la tierra y de los recursos–el acaparamiento para la acumulación de capital–, y la desposesión de la tierra comunal en Nicaragua. Este proceso ha sido una política impulsada desde el Estado, producto del contubernio de las élites políticas y económicas para la inserción del país al mercado global, y por una visión racista y de desprecio por lo indígena. El Estado de Nicaragua siempre ha buscado mecanismos para una reapropiación sistemática, y el control de la tierra y los recursos en manos de las comunidades indígenas. La creación de la Reserva de Biosfera Bosawas generó una superposición de propietarios, los territorios pasaron a estar bajo el control del Estado, pero son territorios tradicionalmente ocupados por las comunidades indígenas Misquitas y Mayangnas. Con el gobierno de Ortega (2007–2026) se ha conformado un nuevo ciclo de acaparamiento de tierras, en el contexto delboom de los commoditiesy de las múltiples crises, profundizando el modelo agroexportador, la concentración de la tierra y la colonización de los territorios indígenas. En este período ha habido una aparente contradicción en sus políticas de tierra en las comunidades indígenas del Caribe. Se han titulado 23 territorios indígenas que reivindican sus derechos de propiedad y de control de los recursos. Pero al mismo tiempo, se ha acentuado la explotación de los recursos naturales y la violencia, y hay una inacción ante la colonización y el conflicto por tierras, avivándose el conflicto inter-étnico entre mestizos y las comunidades indígenas que defienden y demandan el saneamiento de sus territorios ancestrales. Además, ningún otro gobierno había logrado socavar las organizaciones comunales, con la creación de los gobiernos paralelos cuando las comunidades resisten a la desposesión y a las concesiones en sus territorios.

Tanto ao nível local como ao nível global, os campos naturais são fundamentais devido às suas diversas funções estratégicas do ponto de vista ambiental, social e econômico. Eles cobrem quase um terço da superfície da Terra, muitas vezes em áreas secas, frias ou úmidas, ou em terras não cultiváveis, valorizadas com o pastoreio (DONG et al., 2016). Nessas áreas, a agropecuária não é importante apenas na gestão da paisagem: é também um componente essencial do patrimônio, da tradição e do conhecimento local (TOURRAND et al., 2015). Enquanto as pastagens e a produção agropecuária extensiva contribuem para a produção de serviços ecossistêmicos (BLANFORT et al., 2015), as pastagens temperadas são o bioma mais degradado, mais ameaçado e menos protegido do planeta. No Brasil, os campos naturais e a produção agropecuária estão sendo confrontados à expansão agrícola (principalmente de soja, arroz e eucalipto), levando à destruição irreversível dos ecossistemas naturais. Nas últimas décadas, este fenômeno vem sendo ampliado pelo êxodo rural, que leva ao envelhecimento das famílias e à concentração de terras pelo agronegócio. Frente ao êxodo massivo dos jovens rurais para as cidades, quais são as motivações dos jovens que ficam ou não no campo e na atividade agropecuária? Quais são as percepções dos jovens filhos e filhas de produtores sobre a valorização da juventude rural e a sucessão familiar? Nossa pesquisa combina pesquisas de campo e questionários online (devido à pandemia de covid-19) em regiões da América do Sul contrastantes: Pampa e Serra Gaúcha no Rio Grande do Sul, e campos naturais da Ilha de Marajó. Nossa pesquisa demonstra que a maioria dos jovens entrevistados aspira a morar no campo. O acesso aos estudos é dado como o primeiro motivo de saída dos jovens para a cidade, e a vontade de permanecer no campo é maior nas áreas onde o acesso à educação recebe melhores avaliações. Se destaca também o papel central da manutenção das estradas e do transporte escolar, reforçado pela tendência atual de diminuição do número de escolas rurais e de criação de escolas núcleo. Além da educação, nossos resultados sugerem que um melhor acesso à saúde permite fomentar a permanência dos jovens no meio rural. No que diz respeito ao papel das políticas públicas, nossos resultados mostram que a maioria das propriedades dos jovens entrevistados nunca se beneficiaram de assistência técnica por parte do governo. Os jovens entrevistados lamentam a burocracia dos procedimentos de obtenção de financiamentos e assistência técnica, assim como a dificuldade de acesso à informação. Por fim, nossos resultados mostram que as políticas públicas atuais de financiamento da produção agropecuária tendem a ser pontuais e não propõem um acompanhamento inscrito no futuro.

A matriz energética global passou por dois grandes períodos de mudanças que acompanharam as revoluções industriais. O primeiro período refere-se à mudança do predomínio do uso da lenha como fonte de energia para o carvão natural, durante a primeira revolução industrial (s. XVIII/XIX). O segundo período foi marcado por transição do carvão para petróleo, durante a segunda revolução industrial (s. XIX/XX). No século XXI, a matriz energética global passa por uma terceira transição, desde 2008, ano em que o petróleo alcançou seus maiores preços por barril. A transição em curso amplia a participação das energias de menor custo, acessíveis e limpas em emissão de gases de efeito estufa. Ao passo que países ampliam suas oportunidades de acesso, segurança e eficiência energética, organismos internacionais fomentam, a partir de ações de sustentabilidade ambiental, o movimento que estimula a descarbonização da matriz global. Nesse contexto, o Brasil ocupa um lugar de destaque e contraditório, o que representa um desafio, com mais de 48% de sua matriz energética composta por energias renováveis, ao mesmo tempo em que é o nono maior produtor de petróleo do mundo e com grande potencial de expansão com os campos do pré-sal. Por outro lado, possui um grande potencial para ampliar a produção de energia renováveis, por meio das fontes: eólica, solar, biocombustíveis, hidrogênio verde e outras. O desafio para o Brasil encontra-se em como ampliar a participação das energias renováveis em um País rico em combustíveis fósseis, bem como na manutenção das exportações dessas commodities. Esse trabalho ocupou-se de analisar qual caminho o Brasil pode seguir, a partir da construção de cenários para o horizonte 2040. Quatro cenários foram construídos com base na visão de especialistas do setor de energia, e podem ser narrativas de reflexão para planejadores e tomadores de decisão para melhor inserção competitiva de organizações e do País na transição energética em curso. Os cenários envolvem incertezas acerca da velocidade da transição e o impacto do desenvolvimento econômico e das inovações tecnológicas. Para o Brasil, o preço do petróleo, o custo das novas energias, a regulação, as políticas públicas e as pressões por sustentabilidade ambiental são os fatores-chave a serem acompanhados no País. O resultado do trabalho aponta para uma transição gradual no Brasil até 2040.

Esta tese contribui com a formulação, em disputa, do corpo teórico, metodológico e empírico da Agroecologia Política aplicável e atrelada aos territórios. Existe um campo-arena em torno da Agroecologia Política. Por essa razão, há uma grande necessidade de identificação dos atores e agentes envolvidos, e quais são os tipos de ações empreendidas por esses atores (que podem ser pessoas e instituições) que manifestam relações reivindicatórias de direitos, lutas e disputas em diferentes espaços e tempos. O debate em torno da Agroecologia Política é bastante contemporâneo, em disputa e reconstrução. A contribuição teórica-analítica proposta com essa tese para a literatura da Agroecologia Política, particularmente, é atualizar o debate e as lacunas conceituais, metodológicas e analíticas com novas questões não colocadas centralmente, para investigar os desafios em torno da transição e transformação agroecológica nos territórios. Provoca-se uma análise das dimensões da soberania; segurança e autonomia na perspectiva agrária-alimentar para pensar as condições necessárias para a construção sociopolítica da Agroecologia. O território é o terreno de reprodução social e materialização da vida, reciprocamente afetado pelas distintas relações de poder. A complementaridade dialética entre os processos de transição e transformação agroecológica é a primeira chave de leitura que essa tese levanta. Não há uma dualidade e polaridade entre essas duas dimensões, como também não devem ser compreendidas como sinônimas, para não incorrer no risco de tornar superficial o debate e a construção sociopolítica da transição e transformação agroecológica nos agroecossistemas e nos territórios. A segunda chave de leitura que essa tese levanta é que as ações individuais, coletivas e públicas para a transição e transformação agroecológica prescindem de condições materiais de soberania, segurança e autonomia nas dimensões agrária e alimentar. Por soberania agrária-alimentar entende-se as condições de governança na realização do direito à terra e à alimentação nos territórios, e por consequência, às condições de permanência na terra, para a produção e acesso ao alimento ecologicamente correto, economicamente viável, socialmente justo e culturalmente diverso. A segurança agrária-alimentar complementa essa noção de soberania, mas se relaciona diretamente com a noção dos acessos às políticas públicas para o alcance das seguranças (alimentar-nutricional; fundiária, hídrica; energética etc.,) em quantidade; qualidade e regularidade nos agroecossistemas. A autonomia agrária-alimentar, por sua vez, é um conceito menos sistematizado e implica um reconhecimento e análise das tomadas de decisões no contexto das relações domésticas familiares. Essas concepções não pretendem ser definições estanques e universais, buscam provocar e oferecer algumas análises ainda pouco exploradas e a importância da interação entre essas três dimensões. O campo-arena da Agroecologia está em constante expansão e contração, pois articula agentes heterogêneos, indivíduos e/ou instituições que se estabelecem em diferentes espaços-tempo de lutas e disputas cotidianas. Os objetivos específicos desta tese são: i) caracterizar quais são as dimensões teóricas-analíticas e metodológicas da Agroecologia Política; ii) analisar os atores, agentes, instituições e tipos de ações existentes para a transição e transformação agroecológica nos territórios; iii) compreender as interações e a relação entre as condições materiais de soberania; segurança e autonomia nas dimensões agrária e alimentar para a transição e transformação agroecológica. Na conclusão é mostrada a relevância da pesquisa realizada, tanto em termos teóricos como metodológicos e apresentada sugestões de estudos futuros.

 A Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU) é composta por 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). O ODS 2 visa alcançar a Segurança Alimentar e Nutricional (SAN), já o ODS 5 visa alcançar a igualdade de gênero e o empoderamento feminino. A Agenda foi pensada para que a aplicação dos 17 ODS fosse feita de forma integrada, pois os objetivos guardam relações entre si. Nesse sentido, algumas linhas de pesquisa utilizam a abordagem Nexus para observar as interações existentes entre os diferentes ODS. Este trabalho contribuiu para a análise das interações entre os ODS 2 e 5, por meio de um estudo de caso. A pesquisa objetivou verificar se a implementação de ações de promoção da SAN, executadas no DF por meio do II Plano Distrital de SAN (PDSAN), influenciou no empoderamento de nove agricultoras de duas comunidades agrícolas do Distrito Federal (DF), o pré-assentamento Chapadinha e o assentamento Pequeno William, em 2021. Sendo assim, foram feitas pesquisas bibliográficas, em legislações e em documentos oficiais; consultas aos órgãos executores dos programas de compras institucionais, por meio de plataformas governamentais; e entrevistas abertas com nove agricultoras. As entrevistas foram analisadas por meio do método da hermenêutica. As principais ações de SAN para a agricultura familiar levantadas na análise do II PDSAN foram: políticas de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER), garantia do acesso à água; incremento dos programas de compras institucionais; incentivo às organizações coletivas; e regularização fundiária. As entrevistas demonstraram um histórico de dificuldade de acesso à terra e à água, o que limita a produção de algumas agricultoras, e as impede de fornecer para os programas de compras institucionais. Foi possível concluir que as ações de SAN aqui analisadas, potencializaram o empoderamento das mulheres entrevistadas. No entanto, tais ações poderiam ser mais eficazes, caso fossem acompanhadas de políticas de garantia de segurança hídrica.

O Brasil está entre os países que mais sofrem com a perda de vegetação nativa no mundo. A despeito dessa realidade, há representantes do setor produtivo e do governo que sustentam a narrativa de que o Brasil é líder em preservação de florestas. Em paralelo, há um entendimento de que o Código Florestal brasileiro, em comparação com outros países, é uma legislação excepcionalmente rígida. Esse entendimento é, em parte, amparado por estudos com conclusões no sentido de que as leis brasileiras se destacam por apresentarem mais exigências e restrições, principalmente quando se considera a proteção da vegetação nativa em propriedades privadas, na forma de “Áreas de Preservação Permanente” e “Reserva Legal”. Essas narrativas geram conclusões não necessariamente coerentes entre si. Por um lado, soam como um discurso de exaltação e são utilizadas para vender uma produção agropecuária sustentável. Por outro, são utilizadas para diminuir padrões de proteção ambiental. Esse foi o caso da alteração do Código Florestal de 1965, que gerou uma ampla anistia àqueles que haviam desmatado ilegalmente. Diante dessas repercussões, que já ensejaram a flexibilização das normas ambientais, este trabalho tem como objetivo central identificar os estudos que concluem ser a legislação florestal brasileira uma das mais restritivas do mundo, assim como compreender como estes foram elaborados, e com base em qual metodologia. Para tanto, identificamos os principais métodos e diretrizes metodológicas existentes no campo do direito comparado. Em um segundo momento, verificamos se as escolhas metodológicas desses estudos foram balizadas por esses métodos e diretrizes. Por fim, apresentamos possíveis recursos metodológicos para pesquisas comparadas de regras de restrição de uso e conversão da vegetação nativa em imóveis privados.

O processo de urbanização levou à mudança das características naturais dos sítios urbanos e ao aumento populacional nas cidades. Isso contribuiu para o crescimento de diversos problemas e para o surgimento de riscos socioambientais nestes espaços. Nesse sentido, obras de infraestrutura urbana constituíram a principal forma de lidar com essa questão, uma vez que se considera que ausência dessas obras é a principal responsável pelos riscos presentes no território. Desconsidera-se, portanto, a possibilidade de que essas intervenções corroborem novos riscos no espaço. Nesse sentido, esta pesquisa busca compreender de que forma obras de infraestrutura influenciam a ocorrência de riscos em orlas. Para tanto, utilizou a cidade de Macapá como objeto de estudo a fim de analisar como os riscos presentes hoje na orla foram construídos sob influência das intervenções urbanas executadas após 1950. Os procedimentos metodológicos incluíram a utilização de diversas ferramentas metodológicas (revisão de literatura, observação direta, levantamento fotográfico, mapeamento de riscos, pesquisa documental) para responder à questão da pesquisa. Os resultados permitiram compreender que há relação entre as intervenções urbanas executadas (aterros, drenagem, supressão da vegetação) e os riscos presentes na orla de Macapá. Além disso, verificou-se que as políticas de remoção das famílias residentes em ocupações espontâneas da orla de Macapá foram executadas principalmente em áreas hoje ocupadas por famílias mais abastadas. Verificou-se ainda que as intervenções voltadas à melhoria do saneamento da orla não obtiveram êxito, uma vez que os índices desses serviços são precários. Por fim, conclui-se que as recentes intervenções urbanas implantadas e os projetos propostos para a orla repetem os mesmos problemas das intervenções executadas no passado.

A dimensão espacial é uma dimensão onipresente em todos os sistemas socioecológicos, no entanto, ela não é muito explicitada na literatura sobre os comuns, e quando é, quase não é tratada como um objeto de análise em si. Nesta tese, analisamos a cogestão da pesca de caranguejo-uçá realizada nos manguezais da zona costeira amazônica, no Pará – Brasil, considerando a dimensão espacial das práticas de pesca e sua congruência (ou incongruência) com os limites definidos pelo Estado, por meio da criação das Reservas Extrativistas Marinhas (RESEX). Escolhemos esta região por ser a maior faixa contínua de florestas de manguezais do mundo, o que tem levado a criar Reservas Extrativista Marinhas para conciliar proteção ambiental e uso pela população local para sua subsistência e geração de renda.

A tese está organizada em torno de três questões centrais:

1) Quais são os fatores que influenciam a forma com que as comunidades de pescadores de caranguejo-uçá utilizam o espaço?

2) Os limites espaciais formais, provenientes da criação das Reservas Extrativistas Marinhas (RESEX) são congruentes com o uso costumeiro?

3) Como a organização do espaço e dos usuários do recurso influenciam nos níveis de biomassa de um recurso com características espaciais de um recurso comum transfronteiriço?

Os dados coletados no decorrer desta pesquisa foram obtidos combinando métodos qualitativos e quantitativos durante um trabalho de campo desenvolvido entre setembro de 2019 e janeiro de 2020 e os principais resultados encontram-se na forma de artigos científicos.

No artigo 1, “Onde vamos pescar hoje? uso dos manguezais e fatores que influenciam as decisões dos pescadores de caranguejo-uçá sobre as escolhas dos locais de pesca”, concentramo-nos na compreensão do uso do espaço pelas comunidades de pescadores de caranguejo-uçá e os fatores a ele associados e mostramos que existe um padrão espacial no uso dos manguezais pelos pescadores de caranguejo-uçá que são explicados por fatores econômicos, sociais, tecnológicos e culturais.

No artigo 2, “Os bens comuns costeiros transfronteiriços: o caso da pesca do caranguejo (Ucides cordatus) e das Reservas Extrativistas Marinhas nos manguezais da Amazônia brasileira”, analisamos as instituições formais e informais que regulam o uso do espaço e do recurso para compreender se os limites espaciais formais das RESEX estavam congruentes ou não com o uso costumeiro das comunidades e mostramos que existem incongruências entre os limites espaciais formais, provenientes das RESEX, e os limites informais estabelecidos com o uso costumeiro.

No artigo 3 – “Limites espaciais entre áreas de uso e comunicação entre os usuários do recurso melhoram a gestão dos comuns? cenários a partir de um modelo baseado em agentes aplicado a pesca de caranguejos”, construímos um modelo baseado em agentes para simular cenários com diferentes configurações socioespaciais e testamos os efeitos das diferentes configurações nos níveis de biomassa de um recurso ecológico com características espaciais de um comum transfronteiriço e mostramos que num cenário onde há comunicação sobre os locais de pesca, e em que o espaço de uso do recurso é repartido entre as comunidades, os níveis de biomassa do recurso diminuíram de forma mais rápida.

As contribuições de cada artigo articulam-se entre si e trazem insights para a gestão de áreas marinhas protegidas. É recomendável uma melhor distinção entre o que é considerado invasão, e o que é considerado uso costumeiro; os objetivos das Reservas Extrativistas Marinhas, enquanto instituição de ordenamento de uso do espaço e de seus recursos parece que não surtiram os efeitos desejados em relação a exclusividade de uso e resolução de conflitos. Os limites espaciais formais são incongruentes com o uso costumeiro e os conflitos decorrentes da sobreposição de uso entre comunidades permanecem sem uma instância de resolução, ficando a cargo das próprias comunidades o ônus de defenderem seus territórios de pesca. Existe pouca comunicação entre as comunidades em torno da gestão coletiva do recurso. A colaboração, neste caso poderia ser incentivada por meio de uma melhoria nos canais de comunicação entre pescadores de caranguejo-uçá que utilizam locais de pesca em comum. Nesse caso uma estratégia de ação com vistas a reduzir os conflitos de uso, poderia ser iniciada com as comunidades que possuem mais locais de pesca compartilhados entre si. Um desdobramento do que foi realizado até aqui, pode ser o de transformar o modelo baseado em agentes em um jogo sério (role playing game), para ser jogado com as comunidades de pescadores de caranguejo-uçá e então testar junto com elas diferentes formas de organização socioespacial e coordenação.

Esta tese tem por objetivo analisar como as interações entre Estado, usuários e demais atores interessados em face das regras
e estratégias de governança atuais explicam a falta de sustentabilidade do transporte hidroviário interior na Amazônia
brasileira. Para isso, utilizaram-se as seguintes estratégias: construir uma taxonomia das questões ambientais e
socioeconômicas presentes na literatura científica; investigar os efeitos das interações entre mecanismos de governança e
execução do orçamento público na contratação de projetos de infraestrutura de transporte hidroviário; aplicar a estrutura
Institutional Analysis and Development (IAD) para compreender como as configurações institucionais poderiam facilitar a
sustentabilidade no sistema de hidrovias da Amazônia brasileira e sistematizar percepções dos diferentes atores interessados
no THI, a fim de descobrir quais são os entraves e o que podem ser os facilitadores para o desenvolvimento de hidrovias na
Amazônia, usando como estudo de caso o rio Tocantins. O THI sustentável é aquele no qual o aumento da carga se alia à
redução de custos ambientais e econômicos na construção e na operação, ao mesmo tempo em que é resiliente às mudanças
climáticas e promove a equidade social. A comparação entre orçamentos e investimentos hidroviários rejeitou a noção de que
a insuficiência orçamentária seja um grande obstáculo. Em vez disso, ao longo de sete anos, o DNIT deixou de investir 111% de
um orçamento anual médio. A aplicação da estrutura IAD evidenciou que é necessário consolidar as interações entre atores
governamentais e não governamentais para que a tomada de decisão seja eficiente. O uso do método Q permitiu encontrar
quatro perspectivas sociais diferentes sobre questões de sustentabilidade do THI. O principal ponto de divergência são os
aspectos socioambientais da obra do Pedral do Lourenço. Vantagens ambientais sobre outros modos de transporte ainda não
são argumentos para aumentar o uso de hidrovias no Brasil. Além disso, a comunicação e a integração entre diferentes atores
é um desafio. Um novo arranjo de governança seria necessário para incorporar diversas visões, principalmente de movimentos
sociais e populações afetadas no processo de tomada de decisão. Propõe-se recriar as arenas de discussão para aumentar a
participação popular no processo decisório visa maximizar e democratizar benefícios sociais, ambientais e econômicos das
hidrovias da Amazônia.