Padrões de diversidade podem variar amplamente ao longo dos ramos de uma filogenia. Novidades evolutivas e eventos históricos como a colonização de novos ambientes e a interação com invasores podem fazer com que linhagens irmãs apresentem uma grande discrepância na riqueza de espécies. Um dos eventos históricos mais relevantes para a composição da fauna do Novo Mundo foi o Grande Intercâmbio Biótico Americano (GABI), que consistiu em pulsos migratórios de larga escala entre linhagens da América do Sul e da América do Norte após a formação do Istmo do Panamá. Apesar de existir uma extensa literatura descrevendo os padrões de migração e diversificação relacionados ao GABI, boa parte do entendimento sobre esse fenômeno foi construído com base no estudo de mamíferos. Neste trabalho, eu avaliei a variação nas taxas de diversificação de Teiidae, uma linhagem de lagartos neotropicais que migrou para a América Norte durante o Mioceno. Na sequência, eu testo se a diversificação desses lagartos está associada com a distribuição geográfica ou com algumas características fenotípicas como tamanho e temperatura corporal. Por fim, eu avalio a sobreposição de nicho entre o clado que colonizou a América Central, América do Norte e Antilhas e o seu grupo irmão na América do Sul. Os resultados mostram evidências de um aumento na taxa de diversificação em dois pontos na história do grupo, sendo um deles dentro do clado que dispersou para a América do Norte. Espécies com distribuição na América do Norte tiveram taxas de diversificação mais altas que as espécies sul-americanas. Tamanho e temperatura corporal, por sua vez, não influenciaram na taxa de diversificação. Os resultados da análise de sobreposição de nicho mostram que o clado que migrou pelo Istmo do Panamá apresenta um nicho ecológico mais amplo que inclui quase todo o nicho ocupado pelo grupo irmão na América do Sul somado a uma expansão para áreas mais áridas, o que é congruente com a hipótese de aproveitamento de oportunidades ecológicas em condições ambientais para as quais esses lagartos já estariam pré-adaptados.

A coloração ornamental da plumagem à base de carotenoides recebe um notável destaque porque os pigmentos carotenóides são adquiridos na dieta. Isso levantou a ideia de que a ornamentação à base de carotenóides atua como um sinal fidedigno da habilidade de forragear, do estatdo nutricional e de saúde, pois carotenoides também podem ser usados na manutenção de processos fisiológicos. É importante considerar que classes de idade e sexo que muitas vezes apresentam diferenças graduais na coloração da plumagem podem refletir diferenças no forrageamento. Aqui, utilizamos a razão dos isótopos estáveis de carbono (δ 13C) e nitrogênio (δ 15N) para investigar como a dieta varia entre indivíduos de canário-da-terra (Sicalis flaveola Linnaeus, 1766) de diferentes classes de idade e sexo conforme a habilidade de forrageamento ao longo do ano, e como a dieta dos machos amarelos é correlacionada com a expressão da plumagem. Foram amostrados 195 indivíduos em sete campanhas de campo entre janeiro de 2017 e março de 2018. Classificamos os indivíduos com base na cor da plumagem: fêmeas amarelas (i.e., fêmeas adultas de plumagem amarela), machos amarelos (i.e., machos adultos de plumagem amarela) e pardos (i.e., juvenis e sub-adultos de ambos os sexos de plumagem parda). Foram coletamos sangue e diferentes penas para análise de δ 13C e δ 15N. Foram mensurados variaveis colorimétricas das penas ornamentais dos machos, isto é, fronte e peito para relacionar com a dieta. Em nossos resultados, os indivíduos pardos tinham baixos valores de δ 15N em outubro de 2017 quando comparado aos outros meses e, em relação aos machos amarelo que, por sua vez, acessaram recursos de alto nível trófico. A diferença média dos valores isotópico entre as penas e sangue foi baixa e isso refletiu a valores semelhantes das penas entre as classes de cor para cada pena e, para cada pena entre as classes de cor. Observamos que os machos amarelos tinham uma maior diversidade alimentar e uma alta sobreposição do nicho em relação as fêmeas amarelas e indivíduos pardos, sugerindo uma maior variação intra-individual da dieta. Os carotenoides depositados na ornamentação da fronte e peito dos machos amarelos provém de vias de aquisição contrastantes. A matiz das penas da fronte mais avermelhado foi inversamente correlacionadas com o δ 15N, indicando que os carotenoides provém de fontes de alto nível trófico. A matiz das penas do peito mais amarelada foi inversamente correlacionada com o δ 13C e positivamente correlacionada para o δ 15N, sugerindo que os carotenoides provém de fontes basais de baixo nível trófico.

Desvendar os padrões de diversidade natural e os processos e mecanismos que os determinam são assuntos centrais na pesquisa em Ecologia e também nos planos de conservação, especialmente nos trópicos, onde há alta diversidade. Neste estudo temos como objetivo central avaliar como as comunidades de Orthoptera são estruturadas local e regionalmente e particionadas em dois tipos de vegetação do bioma Cerrado (campo sujo e savana) através de três estações (chuvosa, transição da chuvosa para a seca e seca), além de determinar quais são os filtros ambientais que moldam parte dessas comunidades. Para responder às perguntas do nosso objetivo, essa dissertação foi dividida em dois capítulos. Para isso, amostramos comunidades de Orthoptera nas três estações (chuvosa, transição e seca), em duas unidades de conservação (UC) do Distrito Federal, Brasil. Em cada UC, selecionamos três parcelas amostrais em áreas de savana (cerrado sensu stricto) e de campo (cerrado campo sujo), totalizando seis áreas por UC. Os ortópteros foram amostrados ativamente (manualmente e usando redes de varredura) e passivamente (com armadilhas de queda). Para entender os filtros ambientais que moldam as assembleias de gafanhotos, também avaliamos alguns fatores ambientais das áreas amostrais, como estrutura da vegetação (altura, diversidade e proporção de cobertura das formas de vida vegetal), disponibilidade de biomassa ao longo do tempo e condições microclimáticas locais (temperatura e umidade relativa do ar). Encontramos comunidades de Orthoptera com alta diversidade no Cerrado, com muitas espécies raras e poucas abundantes. Áreas de campo apresentaram maiores abundâncias e riqueza de espécies se comparadas à savana. Esse padrão foi mantido ao longo das estações e as maiores abundâncias de adultos foram observadas na estação seca. A composição das comunidades difere entre os tipos de vegetação e também ao longo das estações, sugerindo alta substituição de espécies, como confirmado na análise de partição da diversidade. A escala local foi a mais importante para determinar a diversidade de Orthoptera e a substituição de espécies teve a maior contribuição para a partição da diversidade beta. Considerando apenas os gafanhotos (subordem Caelifera), observamos que a disponibilidade de biomassa acima do solo e os componentes da biomassa (gramíneas e forbs verdes e secos) foram os fatores ambientais com maiores efeitos na abundância e riqueza de espécies das assembleias. Condições microclimáticas também mostraram algum efeito, mas apenas para temperaturas máximas e umidade relativa do ar média e com magnitudes de efeito pequenas. Ou seja, as comunidades de Orthoptera de áreas de savana e campo do Cerrado são ricas em espécies e apresentam seus componentes da diversidade fortemente associados à estrutura da vegetação dos habitats em que ocorrem, principalmente influenciadas pela disponibilidade de recurso vegetal.

Os fungos presentes na filosfera são importantes na produção de metabólitos, na aquisição de nutrientes e na proteção de seus hospedeiros contra patógenos, contudo, estudos com microrganismos filosféricos têm recebido menos atenção. Compreender como a produção de metabólitos de uma espécie é modificada em função das alterações edáficas e também em função da comunidade microbiana associada, é importante para esclarecer como as interações ocorrem em sistemas naturais e quais as possíveis consequências que mudanças antrópicas (como maior deposição de nutrientes ao solo) podem trazer para a interação microrganismo-planta. Além disso, mudanças no solo podem alterar a diversidade química das espécies arbóreas e gerar impactos na produção de compostos antimicrobianos. Assim, o objetivo desta tese é descrever e caracterizar a comunidade de fungos filosféricos de duas espécies lenhosas do Cerrado e compreender como alterações no solo podem interferir na comunidade filosférica, nos metabólitos produzidos pelas espécies vegetais e os efeitos em potencial de substâncias de uso antifúngico. O trabalho foi realizado em uma área de cerrado sensu stricto, onde é conduzido um experimento de fertilização do solo desde 1998 (Reserva Ecológica do IBGE). Os tratamentos experimentais incluem adição de nitrogênio (N), fósforo (P), nitrogênio + fósforo (NP) e calagem (Ca). Duas espécies lenhosas comuns do Cerrado foram avaliadas Styrax ferrugineus e Ouratea hexasperma. No capítulo 1 foi feita a descrição da comunidade fúngica para todos os tratamentos de ambas as espécies através do sequenciamento do eDNA da filosfera. No capítulo 2 foi realizada uma análise metabolômica das folhas de S. ferrugineus e realizada uma correlação entre os metabólitos encontrados e os fungos que habitam a filosfera. Finalmente, no capítulo 3, os extratos das folhas de S. ferrugineus foram testados em ensaios biológicos contra 4 espécies de fungos fitopatogênicos (Botrytis sp., Colletotrichum sp., Corynespora sp. e Fusarium sp.) de importância econômica para agricultura. Os resultados revelam a predominância do filo Ascomycota na filosfera de ambas as espécies, independente do tratamento, e uma maior abundância das classes Dothideomycetes, Eurotiomycetes e Sordariomycetes. Não houve grande diferença na diversidade alfa de ambas as espécies lenhosas, contudo, as análises de beta diversidade de S. ferrugineus indicam uma mudança significativa na comunidade filosférica. Tais mudanças não foram relacionadas com o conteúdo elementar das folhas e parecem estar mais relacionadas com as alterações anatômicas que os tratamentos de adição de nutrientes promoveram. A metabolômica foliar de S. ferrugineus não foi fortemente afetada pelos tratamentos, com apenas 3,8% dos íons detectados variando significativamente. A análise de correlação de Spearman demonstra que há uma relação entre os íons detectados e as diferentes ordens de fungos filosféricos, com correlações bastante significativas em relação as classes de fungos mais diversas. Esses resultados são um primeiro indicativo que as interações das espécies que permanecem no sistema após a eutrofização do solo também são afetadas e podem ter um impacto significativo na dinâmica entre as espécies. Os extratos das folhas de S. ferrugineus apresentaram uma potencial ação antifúngica apenas em Botrytis, com os extratos do tratamento calagem apresentando uma inibição maior que 70%. Estudos futuros são necessários para o isolamento da(s) substância(s) e elucidação do seu mecanismo de ação, para uma possível aplicação no mercado

Esse trabalho busca estudar as relações florísticas, funcionais e ambientais de espécies de plantas do sub-bosque nos habitats de mata de galeria e cerrado sensu stricto dentro do bioma cerrado. As matas de galeria são formações florestais ligadas a cursos d’água que entremeiam o Bioma Cerrado, e geralmente ocorrem em solos mesotróficos, em faixas de floresta cujas copas das árvores se tocam entre as margens de estreitos cursos d’água, formando galerias (Ribeiro & Walter 2008). Importantes funções hidrológicas e ecológicas são desempenhadas por esses ambientes. Já o Cerrado sensu stricto é caracterizado por uma camada herbáceo-subarbustiva contínua e vegetação lenhosa brevi-decidua descontínua sobre solos distróficos e predominantemente profundos. Os ambientes de mata de galeria e cerrado sensu stricto são bastante distintos, o sombreamento na mata causa complexas implicações ecológicas, tanto bióticas quanto abióticas a nível de população, comunidade e ecossistemas, principalmente no seu subbosque, que é uma camada mais sensível a mudanças. Já no cerrado sensu stricto, além do solo, o fogo é um dos principais fatores moldadores. Esses ambientes contrastam também na disponibilidade de nutrientes e água no solo, com as matas de galeria sendo mais úmidas, férteis e com maior teor de matéria orgânica. Essas variações no ambiente funcionam como filtros, influenciando na composição e estrutura de comunidades ao selecionar assembleias de plantas adaptadas a cada um desses ambientes. No capítulo um buscamos examinar os gradientes de composição de espécies e os preditores ambientais que influenciam a variação florística no sub-bosque de mata de galeria do Cerrado por meio de análises de gradientes e modelos lineares generalizadas. Além disso, investigamos a distribuição e o compartilhamento de suas espécies com outros biomas. Compilamos todas as espécies que compõem o sub-bosque de mata de galeria no Cerrado, totalizando 1.385 espécies. Encontramos que o sub-bosque de mata de galeria não apresenta um padrão consistente de diferenciação florística, se mostrando altamente conectado floristicamente, destoando dos padrões encontrados para o estrato arbóreo e de outros tipos de vegetação do Cerrado. Variáveis ambientais ligadas à disponibilidade de água como índice de aridez e estresse hídrico do solo foram os preditores mais importantes na determinação da variação florística em sub-bosque de mata de galeria no Cerrado. As maiores taxas de compartilhamento de espécies ocorreram com a Mata Atlântica (91%), a Caatinga (73%) e a Amazônia (65%), apresentando apenas 39 espécies endêmicas do sub-bosque de mata de galeria do Cerrado. Os resultados do capítulo um mostram como o sub-bosque de mata de galeria apresenta alta conexão florística entre as ecorregiões, resultado das adaptações das espécies e das características ambientais das matas, que servem como corredores de dispersão sombreados e úmidos em meio à savana. Reforçamos que as estratégias de conservação devem considerar a singularidade da variação florística das florestas tropicais e dos determinantes de todos os estratos da vegetação sob o risco de perda de biodiversidade. No capítulo dois nós amostramos e comparamos a riqueza, cobertura e formas de vida das espécies no estrato inferior dos ambientes contrastantes de mata de galeria e cerrado sensu stricto. E investigamos a influência da abertura do dossel, quantidade de serapilheira e de características edáficas na distribuição das espécies que habitam o subbosque desses ambientes. Encontramos um claro contraste entre os ambientes de mata de galeria e cerrado sensu stricto, com variações significativas na cobertura e riqueza das formas de vida em cada ambiente, apresentando baixo compartilhamento de espécies e gêneros entre si. As matas de galeria apresentaram maior cobertura e riqueza de espécies arbustivas, enquanto o cerrado sensu stricto apresentou maior cobertura de graminóides e maior riqueza de subarbustos. Também encontramos que áreas de mata de galeria são mais próximas floristicamente que áreas de cerrado sensu stricto. As matas de galeria apresentaram solos mais férteis, e maiores teores de areia e serrapilheira, enquanto o cerrado sensu stricto apresentou maior abertura de dossel e maiores teores de argila e silte no solo. Abertura de dossel e silte foram positivamente correlacionados com a cobertura de espécies no sub-bosque de cerrado sensu stricto, e P, Ca, Al e K foram correlacionados com a cobertura de espécies no sub-bosque de mata de galeria. Nesse trabalho visamos preencher lacunas no entendimento dos padrões da camada herbáceo-arbustiva do cerrado sensu stricto, e principalmente das matas de galeria, destacando suas diferenças em resposta ao ambiente, e subsidiando estudos mais completos que englobem todos os estratos da vegetação e que sejam voltados para a conservação e restauração do Cerrado. No capítulo três exploramos a variação dos atributos funcionais foliares de espécies herbáceo-arbustivas dos ambientes contrastantes de mata de galeria e cerrado sensu stricto para avaliar se esses ambientes selecionam espécies com diferentes estratégias ecológicas e geram comunidades com estrutura funcional diferentes. Encontramos que espécies de savana possuem atributos funcionais mais ligados a estratégias conservativas, enquanto espécies florestais possuem atributos associados a estratégias aquisitivas e que o ambiente de mata de galeria seleciona espécies com atributos principalmente ligados à competição, portanto gerando uma comunidade funcionalmente mais dispersa, enquanto o cerrado apresenta espécies com conjunto de atributos voltados principalmente para adaptação gerando comunidades funcionalmente mais agrupadas. Encontramos também que os ambientes de mata de galeria e cerrado sensu stricto apresentam características edáficas e de disponibilidade de luz distintas que influenciam a seleção de atributos foliares nesses ambientes.

O mercúrio (Hg) é um elemento químico disponível naturalmente na crosta terrestre, no entanto, sua emissão por atividades humanas se tornou uma preocupação global devido à sua capacidade de bioacumulação nos organismos, e biomagnificação ao longo das cadeias tróficas. Portanto, o objetivo geral desse estudo é quantificar concentrações de Hg em compartimentos ambientais aquáticos (água, sedimento, plâncton, macrófitas, perifíton e peixes) e terrestres (solo, serapilheira, vegetação e invertebrados) da planície de inundação do rio Araguaia, visando avaliar o potencial de bioacumulação nas comunidades biológicas e identificar as variáveis ambientais que influenciam sua distribuição. Nossos resultados indicaram que os sedimentos apresentaram baixos níveis de poluição e risco ecológico baixo a moderado, com dependência espacial moderada a forte em relação à intensidade de uso do solo (Capítulo 1). O fator de bioacumulação foi mais elevado no plâncton, seguido do perifíton e das macrófitas. As concentrações de Hg na água foram positivamente relacionadas com o pH; e o Hg no sedimento foi relacionado positivamente com o conteúdo de matéria orgânica. As concentrações nas macrófitas foram influenciadas positivamente pelas concentrações de Hg da água e, principalmente, do sedimento. No perifíton, as concentrações de Hg foram positivamente relacionadas com a proporção de áreas queimadas e as concentrações de Hg nas macrófitas, e inversamente relacionadas com a profundidade dos lagos (Capítulo 2). Em relação aos peixes, bioacumulação foi mais elevada nos piscívoros, seguida por carnívoros, onívoros e detritívoros; e o fator de biomagnificação confirmou o processo de biomagnificação entre as guildas tróficas. A bioacumulação de Hg foi significativamente relacionada com o comprimento e peso dos peixes, no entanto, o nível trófico demonstrou ser mais importante para o acúmulo de Hg em nosso pool de espécies (Capítulo 3). Nos ecossistemas terrestres, as concentrações de Hg foram significativamente superiores no horizonte superficial do solo e na serapilheira em comparação com o horizonte mais profundo do solo e a vegetação. Apenas o conteúdo de matéria orgânica apresentou relações significativas e positivas com as concentrações de Hg nas duas profundidades do solo. As concentrações de Hg nos invertebrados foram positivamente relacionadas com as concentrações da serapilheira, e inversamente relacionadas com as concentrações do solo. Entre as ordens mais abundantes, Araneae apresentou concentrações significativamente superiores às determinadas em Hymenoptera e Orthoptera. Os fatores de bioacumulação calculados com base no solo e na serapilheira apresentaram padrões distintos entre os grupos taxonômicos, mas a bioacumulação significativa foi determinada na maioria das amostras (Capítulo 4).

A fragmentação da paisagem ocasionada pela expansão agrícola influencia diretamente a distribuição espacial dos habitats e dos recursos favorecendo populações de insetos-praga como a mosca-branca Bemisia tabaci. Isso contribui para que as populações dispersem constantemente entre grandes e pequenos cultivos devido a efemeridade e variação da qualidade das manchas de recursos na paisagem. O objetivo deste estudo foi compreender como ocorre o uso do habitat e o movimento de dispersão de populações de moscas-brancas entre cultivos de larga e pequena escala. Nós realizamos um experimento em campo em áreas produtoras de soja e áreas produtoras de tomate na região leste do Distrito Federal, Brasil, entre fevereiro e maio de 2021 e 2022. Coletamos amostras de plantas e indivíduos na soja e nos tomateiros em momentos diferentes do ciclo fenológico dos cultivos, para obter a razão dos isótopos de Carbono (¹³C) e Nitrogênio (¹⁵N) das plantas, e a composição isotópica dos insetos coletados nessas plantas. Também instalamos armadilhas adesivas amarelas ao longo do ciclo de cada cultura para avaliar a abundância e o crescimento populacional do inseto. Observamos que as populações de moscas-brancas se comportam como metapopulações conectadas pela dispersão na paisagem. A composição isotópica de moscas-brancas revelou que cultivos em larga escala, como a soja, são habitats fonte de indivíduos que após a colheita dispersam e se redistribuem entre cultivos em pequena escala, como os tomateiros. Isto sugere a ocorrência de um efeito cascata em relação à migração e o crescimento populacional de moscas-brancas, que saem dos cultivos de soja em direção aos tomateiros. Portanto, entender a dinâmica espacial e o manejo de pragas como a mosca-branca demanda estratégias regionais, que incluem os cultivos em larga escala e cultivos menores adjacentes. Aqui propomos um modelo para o rastreio de insetos polífagos, utilizando isótopos estáveis, que se mostraram uma boa ferramenta para traçar estratégias que tenham como finalidade o manejo de pragas que vai além de uma única propriedade (Area-wide Pest Management).

A construção de reservatórios hídricos causa diversos tipos de pressões no ambiente a partir da perda da qualidade química e biológica da água e da perda de biodiversidade nos sistemas de água doce, causando mudanças nos processos ecossistêmicos e na estrutura das comunidades aquáticas, suficientes para considerar os reservatórios como “ecossistemas novos”. Essas alterações hidrológicas são refletidas na biota aquática, afetando os diferentes níveis tróficos da comunidade zooplanctônica, que é composta por organismos que respondem rapidamente às condições ambientais. Sendo assim, para a otimização dos programas de biomonitoramento de longo prazo e ampla cobertura espacial, é importante testar a confiabilidade de diferentes estratégias de redução de custo, como grupos substitutos, suficiência taxonômica e suficiência numérica. Utilizando informações sobre a estrutura espacial da comunidade zooplanctônica ao longo de uma larga escala temporal, nosso objetivo foi testar se essas estratégias de otimização poderiam ser aplicadas para aumentar a eficiência dos programas de biomonitoramento em reservatórios hidrelétricos. Os dados de zooplâncton foram coletados no reservatório da Pequena Central Hidrelétrica Ypê, no Rio Verdão, Goiás, Brasil, nas fases de pré-operação e operação, entre os anos de 2014 e 2020. Os dados foram organizados em diferentes formatos: grupos taxonômicos (microcrustáceos, rotíferos e amebas testáceas), resolução taxonômica (matrizes de espécies, gêneros e famílias) e resolução numérica (dados de abundância e presença/ausência de espécies). Os padrões de ordenação obtidos com a Análise de Coordenadas Principais (PCoA) para as diferentes matrizes foram comparadas usando análises de Procrustes. Nossos resultados sugerem que não há relações consistentes o suficiente entre as matrizes biológicas dos diferentes grupos zooplanctônicos para sugerir a amostragem de apenas um (ou alguns) dos grupos em ambas as fases de pré-operação e operação. Encontramos evidências que apoiam a utilização das abordagens taxonômicas mais altas em programas de biomonitoramento para todos os grupos estudados em ambas as fases de pré-operação e operação. Os padrões de ordenação usando dados de presença/ausência foram semelhantes aos obtidos a partir de dados de abundância. Concluímos que um programa de monitoramento da comunidade zooplanctônica na PCH Ypê poderia ser aprimorado por meio da substituição da identificação em nível de gênero ou família, ao invés de espécies, para microcrustáceos e rotíferos. Além disso, também seria possível a utilização dos dados de presença/ausência em substituição dos dados de abundância para todos os grupos zooplanctônicos.

Vários fatores, incluindo o grau de conservação das áreas naturais, seu grau de isolamento, a intensidade da poluição sonora, a presença de animais domésticos, entre outros, influenciam a presença de espécies nativas em remanescentes de vegetação natural em áreas urbanas. Neste estudo, avaliamos a diversidade de anfíbios em áreas naturais dentro da matriz urbana de Brasília, capital do Brasil. Examinamos a variação na riqueza de espécies e sua associação com índices acústicos calculados para 20 áreas de amostragem. Usamos índices acústicos comumente usados para caracterizar as paisagens acústicas que estudamos. Nossos resultados indicaram que as áreas conservadas apresentaram maior riqueza de espécies de anfíbios do que as áreas alteradas, e o mesmo padrão ocorreu para os índices acústicos. Encontramos uma correlação significativa apenas entre a riqueza de espécies e o Índice de Som de Diferença Normalizada - NDSI. Verificamos também que ADI e H tiveram os maiores valores no meio da noite, enquanto BI e ACI tiveram os maiores valores no início da noite. Nossos resultados destacam a importância de áreas naturais remanescentes para a manutenção de espécies nativas em áreas urbanas, apesar de uma redução significativa da biodiversidade em áreas com níveis mais altos de poluição sonora, conforme medido pelo NDSI. As ações de gestão urbana exigem não apenas a preservação da vegetação nativa intacta, mas também o controle da poluição sonora que afeta essas áreas, visando a criação de cidades sustentáveis.

Um diverso e robusto suprimento de produtos e serviços é essencial para restaurar milhões de hectares de ecossistemas abertos degradados a fim de cumprir compromissos globais de restauração. No entanto, as práticas de restauração são notavelmente limitadas pela inclusão inadequada de biodiversidade nativa e restrição de participação nas decisões. Neste estudo, nós analisamos como os desenvolvimentos institucionais, operações de mercado e sistemas de suprimento configuram a rede de produção de restauração do Cerrado. Nossas análises revelam assimetrias de poder entre os múltiplos atores, levando a uma distribuição desigual de investimentos, demandas de mercado e recursos tecnológicos entre as escalas. As políticas e regulamentações vigentes continuam a priorizar princípios centrados em florestas, desconsiderando os requisitos únicos de ecossistemas savânicos. Em meio a esses desafios, nós identificamos o cumprimento de legislações ambientais como o mercado de restauração mais influente no Cerrado, embora com demandas regionais que permanecem instáveis e voláteis. Entretanto, comunidades locais, que fornecem produtos e serviços, desencadeiam inovações baseadas no território para co-criar a organização coletiva e técnicas adequadas ao local, avançando no desenvolvimento de práticas para restauração de savanas. Nossa pesquisa ressalta a importância de promover procedimentos participativos de modo a reconfigurar como as instituições e mercados priorizam engajamentos locais para incorporar plenamente considerações acerca da biodiversidade e garantir a distribuição equitativa dos benefícios da restauração.

Espécies invasoras são aquelas que, quando introduzidas em uma nova área, se estabelecem, experimentam crescimento populacional e causam impactos. Ao lado das mudanças climáticas, elas se destacam como as principais ameaças à perda de biodiversidade. O objetivo geral desta dissertação foi investigar a variação temporal de comunidades de drosofilídeos em dois ambientes, um urbano e o outro natural, com foco nas espécies exóticas. No primeiro capítulo, investigamos as comunidades de drosofilídeos e seus sítios de reprodução em dois períodos, distantes dez anos (2008 e 2018), em um centro comercial da cidade de Brasília. Essa comunidade permaneceu estável e foi dominada por drosofilídeos exóticos nos dois períodos, os quais utilizam uma maior variedade de hospedeiros do que as espécies neotropicais. É possível que mercados urbanos possam servir como uma fonte de espécies exóticas para ambientes naturais adjacentes, contribuindo para mudanças nessas comunidades ao longo do tempo. No segundo capítulo, investigamos as variações temporais nas comunidades de drosofilídeos em cerrados e matas da Reserva Ecológica do IBGE, uma área preservada e monitorada ao longo de 25 anos. Nessa reserva, observamos um aumento gradual no registro de drosofilídeos exóticos, que mantiveram populações abundantes em ambas as vegetações. Entretanto, as matas foram mais resistentes à invasão do que os cerrados. A abundância média de drosofilídeos capturados por armadilha diminuiu ao longo do tempo apenas no cerrado. Hipotetizamos que, além da chegada e estabelecimento de espécies invasoras, outros fatores antrópicos de ameaça à biodiversidade estejam contribuindo para as variações observadas nas comunidades de drosofilídeos. No terceiro capítulo, atualizamos a lista de espécies de drosofilídeos do Cerrado, cuja última versão datava de 2015. No Cerrado, foram registradas 138 espécies de drosofilídeos, das quais 13 são exóticas à região Neotropical. Dessas últimas, cinco foram introduzidas a partir do final do século XX: Drosophila malerkotliana Parshad and Paika, Zaprionus indianus Gupta, D. nasuta Lamb, D. suzukii Matsumura e Z. tuberculatus Malloch.

A luz artificial à noite (ALAN) é um estressor antropogênico, responsável por causar alterações no comportamento de morcegos. Grande parte dos estudos sobre os efeitos de ALAN em quirópteros, concentra-se em regiões temperadas, o que limita a compreensão global dos impactos da iluminação artificial noturna sobre morcegos, ocultando respostas possivelmente distintas entre os hemisférios. Devido a isso, investiguei se, e quais, famílias de morcegos insetívoros presentes no Cerrado brasileiro vivem em área urbana, apresentando aversão ou preferência em forragear em áreas com ALAN, em resposta as maiores abundâncias de insetos nos postes. Para isso, estabeleci 10 sítios amostrais em uma metrópole, cada um com um par de pontos amostrais, sendo um poste com lâmpada HPS e uma área escura. Em cada sítio, registrei a ecolocalização dos morcegos por 12 horas e identifiquei a abundância dos insetos coletados em armadilhas. Os resultados indicam que apenas espécies da família Molossidae apresentaram maior número de passes e feeding buzzes em ALAN, com a abundância de insetos sendo significativa para o número de passes, mas não para o feeding buzz. Acredito que a falta de resposta do forrageamento, com os insetos, pode estar relacionada a seleção alimentar, sazonalidade e à redução no tempo de busca por presas em ALAN. No contexto deste estudo, morcegos molossídeos, ao contrário dos vespertilionídeos e emballonurídeos, parecem estar pré-adaptados a tolerar e utilizar ALAN de forma oportunística. Esses resultados, demonstram como ALAN afeta de formas distintas, o comportamento de morcegos insetívoros urbanos, no neotrópico.

Os besouros rola-bosta (Scarabaeidae: Scarabaeinae) utilizam várias fontes de alimento, sendo as fezes de mamíferos o recurso mais comum. Devido aos seus hábitos alimentares e forma como manipulam e nidificam no recurso, eles promovem uma série de serviços ecossistêmicos, como a ciclagem de matéria orgânica, dispersão secundária de sementes, controle de parasitas, auxiliam na aeração do solo, dentre outros. Há cerca de 7.000 espécies descritas e 726 ocorrem no Brasil, sendo que no Cerrado, eles estão distribuídos pelas várias fitofisionomias que ocorrem no bioma, desde as mais abertas formadas por gramíneas e herbáceas, até as mais densas, que são formações florestais, e este grupo possui período de atividade sincronizado à sazonalidade do bioma, pois no período chuvoso são mais ativos e abundantes. Pouco se sabe sobre os aspectos populacionais e a capacidade de movimentação dos indivíduos em Scarabaeoidea, desta forma o presente trabalho teve como objetivo verificar a capacidade de movimentação de quatro espécies desta superfamília, e a tese foi dividida em dois capítulos. O primeiro capítulo investigou, utilizando a técnica de marcação e recaptura, a capacidade de movimentação de Oxysternon palemo, Coprophanaeus sptizi e Diabroctis mirabilis no cerrado sensu stricto, além de avaliar parâmetros populacionais das três espécies ao longo de um ano. Todos os indivíduos foram capturados exclusivamente no período chuvoso, e as abundâncias, recrutamentos e taxas de sobrevivência foram mais expressivas entre os meses de novembro e janeiro nas três espécies. Oxysternon palemo apresentou a maior abundância, seguido de C. spizi e D. mirabilis, e os deslocamentos máximos também seguiram esta ordem. Oxysternon palemo foi dominante no cerrado sensu stricto e suas altas abundâncias e capacidade de deslocamento possivelmente amenizam o efeito da fragmentação, porém o mesmo não foi observado para D. mirabilis, que teve as menores abundâncias e apenas um movimento registrado, de curta distância. O segundo capítulo investigou a capacidade de deslocamento de Phyllophaga capillata em campo em plantio de soja, ao longo do período de revoada desta espécie e, a atividade de voo desta espécie em laboratório. A maior parte dos adultos foram recapturados à menor distância estabelecida no estudo, 50 m e apenas seis indivíduos machos foram recapturados à maior distância possível, de 250 m. O experimento de atividade de voo em laboratório apontou que a maioria dos indivíduos (cerca de 70% dos machos e 53% das fêmeas) apresentou o comportamento de deixar o solo e voar diariamente. Com deslocamentos de 250 m em uma noite, é possível que estes insetos colonizem novas propriedades ou talhões de grandes plantios de soja no início do período chuvoso e se dispersem pelas plantações ao longo da revoada desta espécie.

O estudo do processo de decomposição do detrito foliar de origem alóctone é fundamental para a compreensão do fluxo de energia e manutenção do metabolismo em riachos florestados. O dossel da floresta ripária reduz a entrada de luz nos riachos e, consequentemente, a sua produtividade primária. Dessa forma, a principal fonte de energia para os riachos florestados vem da entrada e posterior decomposição do majoritariamente de detritos foliares oriundo das florestas ripárias. Os detritos foliares que adentram nestes ecossistemas podem ser retidos e acumulados no leito dos riachos onde sofrem lixiviação de compostos solúveis em água e são colonizados por microorganismos. Por fim, os invertebrados fragmentam as folhas para utilizá-las como recurso alimentar e/ou abrigo, aumentando drasticamente as taxas de decomposição foliar, mostrando a importância dos fragmentadores para o funcionamento dos riachos. No Capítulo 1 foi explorado a variação da concentração e proporções de C, N e P, atributos físicos e defensivos de detritos foliares de espécies arbóreas representativas de zonas ripárias da Floresta Amazônica, Mata Atlântica e Cerrado. Foi analisado um conjunto de dados com informações de sete características químicas e duas físicas de detritos foliares de 68 espécies de plantas coletadas em 11 florestas ripárias em áreas preservadas de três biomas Neotropicais. O Capítulo 2 tratou da avaliação da colimitação da quantidade e da qualidade dos detritos foliares no estoque bêntico para a biomassa detritívoros ao longo do tempo um riacho amazônico. Foi realizado um experimento de campo relacionando a dinâmica do estoque bêntico em termos de quantidade e qualidade dos detritos (nas razões C:N, C:P e N:P) com a biomassa dos fragmentadores detritívoros associados ao longo do tempo. O Capítulo 3 relatou a influência de detritos foliares de origens e características físicas e químicas distintas sobre a decomposição e repercussões na comunidade decompositora. Realizados experimentos utilizando um folhas de uma espécie exótica e de uma espécie nativa em dois riachos de condições de referência com características distintas.

A distribuição das espécies e das suas interações ecológicas varia espacial e temporalmente. As comunidades biológicas e por consequência suas interações podem ser afetadas por distúrbios como os incêndios, que são capazes de alterar a estrutura dos habitats e a disponibilidade de recursos. Para entendermos os padrões de distribuição das espécies, assim como detectar alterações após perturbações, é necessário mensurar adequadamente a diversidade dos grupos estudados. Isso é um desafio, sobretudo para grupos altamente diversos, como os pequenos mamíferos voadores neotropicais e em ambientes compostos por diferentes fisionomias, como o Cerrado. Nesse estudo, avaliamos: 1) como o desenho amostral afeta as estimativas de diversidade de pequenos mamíferos no Cerrado; 2) os efeitos da severidade do fogo, da disponibilidade de recursos e da estrutura do habitat nas redes de interação planta-animal das quais participam os pequenos mamíferos no Cerrado; e 3) os efeitos da severidade do fogo sobre o potencial de dispersão de sementes por pequenos mamíferos no Cerrado. O desenho amostral utilizado na amostragem de comunidades de pequenos mamíferos no Cerrado afetou as estimativas de abundância e riqueza desse grupo. Amostragens que utilizaram em conjunto armadilhastipo gaiola e as de interceptação e queda (pitfalls) e que consideraram as duas estações climáticas (i. e. seca e chuvosa) foram mais eficientes, especialmente nas formações abertas. A análise de DNA metabarcoding nos permitiu detectar uma riqueza de plantas consumidas por roedores e marsupiais muito acima do que é possível através de métodos tradicionais. No total, identificamos 211 espécies de plantas nas fezes desses animais, contrastando com as 28 espécies de sementes detectadas pela análise visual em estereoscópio. As interações planta-animal entre pequenos mamíferos e a flora do Cerrado foram afetadas pelo fogo. A severidade do fogo tornou as redes de interações mais aninhadas, e com menor grau de modularidade e especialização nas matas de galeria atingidas mais severamente pelo incêndio. Nessas áreas, a diversidade de interações foi maior, possivelmente em decorrência da invasão de espécies típicas de habitats abertos, favorecidas pelas modificações na estrutura do habitat causadas pelo fogo. A disponibilidade de recursos (i. e. frutos) também afetou a estrutura das redes plantaanimal, embora essa disponibilidade não tenha apresentado relação direta com a severidade do fogo. Já a estrutura do habitat não afetou diretamente a estrutura das redes planta-animal. No entanto, esse fator foi explicado em grande parte pela severidade do fogo. Portanto, é possível que seus efeitos sobre a estrutura das interações tenham sido indiretos. O fogo também afetou o papel dos pequenos mamíferos como potenciais dispersores de sementes. Houve uma redução no número de potenciais dispersores e na diversidade de plantas dispersas pelo grupo nas matas de galeria mais severamente atingidas pelo incêndio. Esses efeitos foram espécie-específicos, variando ao longo do gradiente de severidade do fogo. Os resultados apresentados no presente estudo indicam que incêndios severos modificam as comunidades de pequenos mamíferos que habitam as matas de galeria mesmo após três anos da ocorrência do incêndio. Essas modificações têm efeitos sobre as interações planta-animal assim como sobre o papel ecossistêmico que roedores e marsupiais desempenham como dispersores de sementes, potencialmente impactando o recrutamento vegetal em áreas sensíveis ao fogo. Diante disso, recomendamos que planos de manejo integrado do fogo considerem a proteção dos ambientes mais sensíveis, pois os efeitos negativos de incêndios severos nessas áreas podem ser prolongados.

O Cerrado é a savana mais biodiversa do planeta, todavia, 50% de sua cobertura original foi desmatada até 2022, para abrir espaço para plantações e pasto. Espera-se que essa rápida transição influencie o clima regional e o balanço hídrico, com implicações para a geração de energia, produção de alimentos, subsistência e conservação da biodiversidade. A demanda pelas principais commodities possivelmente aumentará nos próximos anos, intensificando a pressão pela conversão de áreas de vegetação nativa para fazendas comerciais orientadas à exportação. A expansão agrícola sobre áreas que já estão desmatadas para pastagem tem sido indicada como uma oportunidade de reconciliar produção e conservação. Ainda assim, o desmatamento do Cerrado está avançando em ritmo acelerado, em taxas que se ampliaram nos últimos três anos. Nosso objetivo é entender a interação entre agricultura, clima e ciclos hídricos no Cerrado, enfocando em impactos acumulados, cenários futuros e oportunidades para se ampliar a produção orientada para commodities sem ampliação do desmatamento. O capítulo 1 apresenta o quadro teórico que justifica e contextualiza essa pesquisa. Nós pesquisamos o conceito de nexus, sua origem, aplicação para o entendimento de impactos causados por seres humanos nos ecossistemas e desenvolvimentos atuais. Posteriormente nós discutimos como o Cerrado é um estudo de caso emblemático da complexidade da dinâmica de mudanças do uso da terra e da cobertura vegetal, o que requer uma análise de nexus integrada. No capítulo 2, nós pesquisamos como as transições de uso da terra (LUT) acumuladas afetam o clima regional e o ciclo da água no Cerrado, por meio de mudanças na evapotranspiração (ET) média anual e temperatura média de superfície (LST), bem como implicações de opções de uso da terra futuros. Nós realizamos análises de regressão para quantificar os efeitos de seis LUTs comuns sobre ET e LST sobre todo o gradiente de paisagens do Cerrado de 2006 a 2019. Resultados indicam que o desmatamento de florestas para plantações e pasto aumentaram LST média em 0,9 e 0,6 graus celsius, respectivamente. Por outro lado, transições de vegetação campestre para pastagem ampliaram ET média anual em 15%. Até a presente data, mudanças na terra causaram uma redução de 10% na reciclagem anual de água para a atmosfera e aumento de 0,9 graus celsius em LST média pelo bioma, comparado à linha de base histórica da vegetação nativa (anterior à ocupação humana de grande escala). Mudanças climáticas globais de gases atmosféricos de efeito estufa concentrados vão apenas exacerbar esses efeitos. Considerando cenários futuros potenciais, nós vimos que a ausência de controle do desmatamento ou a permissão para a continuidade do desmatamento legal (pelo menos 28,4 Mha) reduziria ainda mais ET anual (em -9% e -3%, respectivamente) e aumentaria LST média (em +0,7 e +0,3 graus celsius, respectivamente) até 2050. Em contraste, regulamentações encorajando desmatamento zero e restauração de 5,2 Mha de áreas desmatadas ilegalmente parcialmente reduziria os impactos de aquecimento e ressecamento de mudanças do uso da terra. No capítulo 3, nós investigamos o potencial para a expansão agrícola sem novos desmatamentos no Cerrado, avaliando as dinâmicas espaciais e temporais da transição do uso da terra nos últimos 35 anos (1985-2021). Nós realizamos análises de correlação entre quatro tipos de transição de uso da terra no Cerrado: (a) expansão de pasto sobre vegetação nativa, (b) conversão direta de vegetação nativa para plantação, (c) expansão de plantação sobre pasto, e (d) abandono de pastos. Nós calculamos, ainda, a área restante com alta possibilidade de plantações sobre pastos e sobre vegetação nativa e padrões espaço-temporais de expansão de plantações sobre pastos. Entre 1985 e 2021, a expansão de pastos sobre a vegetação nativa foi a transição de uso da terra prevalente (18,8 Mha), seguido de abandono de pastos (8,9 Mha). Ainda que o desmatamento para pastos tenha diminuído, ele ainda é a principal transição de uso da terra, levando à perda de 414.000 ha por ano-1 de vegetação nativa entre 2011 e 2020. A expansão do pasto sobre a vegetação nativa e o abandono do pasto são negativamente correlacionados (ρ = -0,38), enquanto a expansão de plantações sobre o pasto é positivamente correlacionada à expansão de plantação sobre a vegetação nativa (ρ = 0,48). A conversão direta de vegetação nativa a plantação aumentou nas últimas três décadas, somando 113.000 ha por ano-1 principalmente na região do Matopiba. A promoção da intensificação do pasto poderia liberar terra para expansão de plantação sem desmatamento. Há 18 Mha de pasto com moderado a alto potencial para plantação, sobretudo nos estados de Goiás, Mato Grosso do Sul e Minas Gerais. Dos atuais 27 Mha de plantação no Cerrado, 27% foram estabelecidos nos últimos dez anos e 28% (7.5 Mha) sobre pastos. Uma área considerável de plantações (2 Mha) substituiu pastos criados recentemente (<7 anos), sugerindo que pastos podem ser um uso da terra intermediário, antes da venda ou do aluguel para plantações. Há 20 Mha de áreas de vegetação nativa com moderado a alto potencial para plantação. O fim do desmatamento do Cerrado vai requerer uma combinação de políticas de conservação e incentivos à expansão de plantações sobre pastos. Observando os impactos associados com a expansão de plantações e pastos sobre a vegetação nativa do Cerrado e as oportunidades para a reversão desse processo, enquanto se aumenta a produtividade da agricultura, nossos resultados podem apoiar a pavimentar novos caminhos para o desenvolvimento do Cerrado, com alimento, energia e água seguras.

O entendimento dos padrões e processos que regem a distribuição, riqueza e abundância de espécies é um dos principais objetivos da Ecologia. Comunidades de drosofilídeos em reservas naturais e parques urbanos são excelentes laboratórios para estudar estruturação de assembleias nesses ambientes. O primeiro capítulo desta tese investiga assembleias de drosofilídeos em parques urbanos do Distrito Federal. Nosso estudo mostrou que as espécies exóticas tendem a ser mais abundantes que as neotropicais, corroborando a ideia de que ambientes urbanos tendem a favorecer espécies exóticas generalistas. A abundância de drosofilídeos neotropicais foi maior nos parques mais distantes do centro urbano, e pela sinergia entre essa distância e o tamanho do parque. A abundância de drosofilídeos exóticos responde à densidade populacional humana dos arredores do parque, e à sinergia entre esse fator e a distância do centro. Não encontramos nenhuma relação entre riqueza de espécies e as variáveis ambientais dos diferentes parques. O segundo capítulo relaciona a distância entre parques e reservas com a diversidade beta, em termos de turnover e aninhamento. Com base na riqueza e na abundância de drosofilídeos, a diversidade beta entre parques e reservas foi moderada. A dissimilaridade foi associada principalmente ao mecanismo de turnover (em 89% dos casos para a riqueza e 99,9% para a abundância). Com base na riqueza de espécies, a dissimilaridade entre a Estação Ecológica de Águas Emendadas e os parques aumenta com a distância entre eles. Com base na abundância relativa das espécies, a dissimilaridade entre o Parque Nacional de Brasília – uma importante reserva do DF – e os parques urbanos também aumenta com a distância entre eles. Por fim, no terceiro capítulo relatamos a primeira ocorrência nas Américas da espécie afrotropical Zaprionus tuberculatus Malloch. Esta espécie foi reconhecida como invasora pelo Invasive Species Compendium, e argumento que provavelmente causará impacto no bioma Cerrado, um hotspot de biodiversidade onde comunidades de drosofilídeos têm sido monitoradas desde 1998.

Resumo da dissertação em português A distribuição geográfica e a demografia estão entre os principais aspectos de conservação das espécies e dependem dos requisitos e tolerâncias ambientais dos organismos. Agentes de alteração do ambiente, como as mudanças climáticas e o fogo, afetam os animais direta e indiretamente, através de seu reflexo na estrutura da vegetação e, consequentemente, na redução da qualidade do hábitat. Dessa forma, o presente estudo teve como objetivo estimar o efeito das mudanças climáticas e de diferentes regimes de queima sobre a distribuição geográfica e a demografia do lagarto neotropical vivíparo Notomabuya frenata. No primeiro capítulo, investigamos o efeito das mudanças no clima sobre a distribuição geográfica dessa espécie. Para isso, usamos variáveis ambientais e fisiológicas (desempenho locomotor e horas de atividade) para prever áreas de adequabilidade de habitat no presente e no futuro, considerando diferentes cenários de emissões de gases de efeito estufa e desmatamento. Os preditores mais críticos de adequabilidade do habitat foram: isotermalidade, precipitação durante o inverno e horas de atividade sob extremos térmicos mais baixos. Além disso, nossos modelos preveem uma contração das áreas de adequabilidade de habitat em todos os cenários futuros e o deslocamento dessas áreas para o leste da América do Sul. Ademais, há baixa eficácia das áreas protegidas na conservação de locais com habitat adequado para esta espécie. No segundo capítulo, investigamos os efeitos em longo prazo da precipitação e de diferentes regimes de queima sobre a dinâmica populacional dessa espécie. Para isso, realizamos um estudo de marcação-recaptura ao longo de quinze anos em cinco parcelas de cerrado sensu stricto submetidas a diferentes regimes de queima e construímos modelos demográficos de Cormack-Jolly-Seber. Nossos resultados indicaram que o ciclo de vida de N. frenata é superior a um ano, havendo sobreposição de gerações. Além disso, os regimes de fogo não representaram um fator determinante na estrutura etária dessa população, que foi influenciada principalmente pela sazonalidade e insolação. No entanto, os modelos demográficos indicaram que regimes de queimadas intermediárias a intensas prejudicam a probabilidade de recaptura da espécie. A precipitação influenciou positivamente a sobrevivência e negativamente na captura de N. frenata. Nossos achados destacam a vulnerabilidade de ectotérmicos tropicais e vivíparos frente às mudanças no clima e no aumento da intensidade das queimadas, ressaltando a necessidade dos tomadores de decisão considerarem o impacto sobre os animais na criação de áreas protegidas e no planejamento do manejo do fogo.

As aves possuem alta diversidade de coloração da plumagem, com diversas espécies apresentando dicromatismo sexual. Além disso, a coloração dos indivíduos pode expressar informações acerca da qualidade corporal ou saúde dos mesmos. Dentre os tipos de coloração presentes em aves, a baseada em pigmentos carotenoides têm sido usualmente demonstrada como um desses sinais que refletem a qualidade individual. Entretanto, nem sempre esses sinais refletem de forma verdadeira a qualidade dos indivíduos. O canário-rasteiro Sicalis citrina Pelzeln 1870 é um passeriforme com dicromatismo sexual que apresenta coloração derivada de pigmentos carotenoides, configurando-se como um interessante modelo para investigação da (i) variação da coloração de indivíduos dentro do sistema visual das aves; e (ii) expressão da qualidade dos indivíduos por meio da coloração. Além disso, apesar de ser uma espécie abundante, pouco se sabe sobre seu comportamento reprodutivo e sua movimentação sazonal, sendo considerado, de forma anedótica, como migratório. Essa tese está dividida em três capítulos que buscam avançar nos objetivos acima citados, bem como contribuir com o conhecimento a respeito da história natural desta ave. O capítulo I descreve a coloração das fêmeas e machos, identifica a ocorrência de atraso da maturação da plumagem em machos e descreve facetas, não antes documentadas, do comportamento reprodutivo de S. citrina. Fêmeas e machos apresentam alta reflectância no espectro ultravioleta na cabeça e no ventre, principais regiões do corpo para sinalização social. O atraso da maturação da plumagem em machos faz parte de uma estratégia reprodutiva de S. citrina, mas existem diferenças significativas, indistinguíveis aos olhos humanos, entre a coloração dos sexos. O capítulo II testa hipóteses que versam sobre a expressão fenotípica (coloração) e qualidade individual das fêmeas e machos. A cor das fêmeas depende de sua condição corporal, i.e., àquelas com melhor condição têm a matiz marrom. Já a qualidade dos machos não está associada a uma plumagem colorida. Eles acessam diferentes itens alimentares que melhoram sua cor (grãos C3 e C4) ou seu sistema imunológico (proteína), o que sugere que possam optar por investir em ornamentação ou na saúde. Por fim, o capítulo III identifica o tipo de movimentação sazonal de S. citrina, e diferente do registrado na literatura, S. citrina é uma espécie nômade. De forma integrada, os resultados desta tese contribuem para o conhecimento a respeito da coloração de um traupídeo Neotropical, testando hipóteses sobre alocamento de recursos para produção de cor e sinais que expressam a qualidade dos indivíduos, além de contribuir com a história natural desta espécie.

Brasil é conhecido por sua biodiversidade, que por sua vez provê uma série de serviços essenciais para o bem-estar humano. As abelhas sem ferrão constituem um grupo de mais de 500 espécies caracterizadas por serem polinizadores efetivas de diversas plantas cultivadas, tendo importante papel para a produção de alimentos no país. Apesar do conhecimento sobre o enorme potencial destas espécies para a polinização de plantas cultivadas, pouco ainda se sabe sobre a ecologia e o manejo destas abelhas como polinizadoras em ambientes protegidos. Entre os principais limitantes para o desenvolvimento de estratégias de manejo envolvendo o uso destas abelhas para a polinização nestes sistemas, destaca-se a dificuldade de aclimatação frente às condições ambientais, seja por condições de temperatura ou luminosidade dentro das estufas. Esta tese tem como objetivo principal avaliar a ecologia e manejo de espécies de abelhas sem ferrão para a polinização em sistemas protegidos de cultivo orgânico do tomate (Lycopersicon esculentum). Como objetivos específicos, foi avaliado como determinadas condições ambientais de confinamento comuns em sistemas protegidos (redução da radiação ultravioleta e/ou verde e aumento da temperatura), em condições experimentais, afetam a resposta fototática (capítulo 1) e a atividade de voo e forrageamento de três espécies de abelhas sem ferrão: Melipona quadrifasciata (Lepeletier (1836), Scaptotrigona cf. postica Letreille (1807) e Frieseomelitta varia Lepeletier (1836) (capítulo 2). Investigou-se ainda, em estufa agrícola, se a visitação pela abelha M. quadrifasciata difere entre flores de duas cultivares de tomateiro com atributos florais distintos (capítulo 3) e como o provimento do serviço ecossistêmico de polinização por esta abelha pode ser mais efetivo e rentável para a produtividade agrícola e qualidade do tomate produzido quando comparado ao método de polinização por soprador (capítulo 4). A planta modelo do estudo é o tomateiro que se destaca como uma das hortaliças mais cultivadas no mundo e a principal espécie olerícola de importância econômica no Brasil, com ampla utilização em casas de vegetação sob sistema de produção orgânico. Embora seja uma espécie autógama, sua produção é beneficiada pela polinização por abelhas. Os experimentos feitos neste trabalho apresentam indícios que a luz ultravioleta parece ser um componente importante para a resposta fototática, a aclimatação, a atividade de voo e forrageamento das abelhas. Contudo, seu efeito diferiu entre as espécies de abelhas sem ferrão avaliadas. Da mesma forma, a temperatura elevada foi um fator limitante para a atividade das espécies avaliadas. Experimentos em estufa mostraram que a abelha M. quadrifasciata visitou com maior frequência as flores da cultivar Italiano quando comparado a cultivar Cereja. Tal preferência provavelmente seja explicada por diferenças encontradas em atributos florais entre cultivares. De forma geral, os experimentos de ensacamentos feitos em estufa mostraram que a combinação da polinização pela espécie M. quadrifasciata com o soprador contribuiu mais para o aumento da produtividade e qualidade dos frutos do tomateiro. Este efeito, porém, variou de acordo com a cultivar avaliada e o período de amostragem. Da mesma forma, as medidas econômicas mostraram que a combinação de agentes polinizadores gera maior incremento no valor de produção e o lucro obtido a partir da produtividade para ambas cultivares em estufa. Em situações de maior incidência de pragas, recomenda-se apenas o uso da polinização pela abelha M. quadrifasciata. Tais resultados reforçam o potencial uso e manejo destas abelhas em estufas como importante ferramenta para a melhoria da produção agrícola, e destacam a importância do conhecimento da biologia e comportamento delas, frente a condições ambientais limitantes. Por meio deste estudo, são fornecidas informações importantes sobre temas ligados à biologia da polinização, como aspectos comportamentais de abelhas nativas sem ferrão, ecologia cognitiva de abelhas, manejo de abelhas para a polinização agrícola, além de gerar dados de interesse para os produtores de sistemas de produção orgânica em ambientes protegidos, como o quanto a polinização por abelhas sem ferrão incrementa na produção e no valor econômico associado nestes sistemas.

Os riachos tropicais são ecossistemas com uma alta riqueza em suas florestas ripárias, representada em sua maioria por um elevado número de espécies raras. Entretanto, esses ecossistemas têm sofrido uma considerável e rápida perda de diversidade de espécies devido à distúrbios antrópicos. Espécies raras de plantas são mais suscetíveis de serem perdidas, devido ao menor tamanho de suas populações, e por isso geralmente são essas espécies que direcionam tais mudanças de diversidade em riachos tropicais. Contudo, as espécies vegetais dominantes são geralmente as únicas incluídas em experimentos avaliando as consequências da perda de diversidade, e por isso o efeito da perda de espécies vegetais raras sobre esses ecossistemas ainda é pouco conhecido. Importantemente, a presença de espécies vegetais raras em misturas tem o potencial de acelerar a decomposição de detritos vegetais, pois às suas características funcionais únicas podem conduzir ao aumento da diversidade funcional de misturas de detritos, o que tipicamente acelera esse processo. Outro fator ainda pouco investigado em riachos tropicais que pode acelerar a decomposição de detritos vegetais é o efeito priming – a aceleração da decomposição dos detritos recalcitrantes na presença do carbono lábil de algas. Estudos de efeito priming em ecossistemas aquáticos estiveram concentrados em experimentos em laboratório ou mesocosmos, e por isso evidências de efeito priming de sistemas naturais são raras. Desse modo, o objetivo desta tese foi avaliar a importância de espécies vegetais raras e do efeito priming para a decomposição em riachos tropicais. Para avaliar a importância de espécies vegetais raras para a decomposição em riachos tropicais, realizamos experimentos de campo em um riacho do bioma Cerrado simulando cenários de perda de espécies vegetais raras de diferentes tipos funcionais (i.e., com características funcionais similares ou dissimilares às de espécies dominantes): um experimento levando em consideração à proporção de espécies dos detritos vegetais que entram no rio, e outro experimento onde nós usamos a mesma biomassa para todas as espécies em misturas de detritos. Os experimentos foram elaborados considerando as características de comunidades de baixa diversidade em ecossistema naturais, caracterizadas comumente pela persistência de espécies vegetais dominantes. No capítulo 1 nós demonstramos que a perda de espécies vegetais raras reduziu a diversidade funcional de misturas de detritos e consequentemente reduziu a decomposição e dois outros importantes processos relacionados – a perda e nitrogênio (N) e a produção de biomassa fúngica –, via efeito de dissimilaridade de recursos. Além disso, nós observamos que quando somente espécies raras similares estiveram presentes em misturas de detritos, os processos foram mais reduzidos do que no cenário com somente espécies raras dissimilares (exceto para perda de N). No capítulo 2 evidenciamos que a perda de espécies vegetais raras reduziu a biomassa de fungos, considerados os principais organismos decompositores em riachos tropicais, mas não afetou nenhum outro parâmetro fúngico avaliado (i.e., taxa de esporulação, diversidade e composição taxonômica de hifomicetos aquáticos). Ainda, nós observamos que a redução na biomassa fúngica foi maior em misturas de detritos com proporções de espécies naturais do que em misturas com a mesma biomassa para todas as espécies, indicando que a uniformidade modulou o efeito da perda de espécies raras sobre a biomassa fúngica. Para investigar a importância do efeito priming para a decomposição em riachos tropicais, no capítulo 3 realizamos um experimento de campo usando sombreamento artificial em riachos do bioma Cerrado. Apesar de termos encontrado somente evidência de redução da decomposição com o aumento do carbono lábil de algas (efeito priming negativo), nós demonstramos que o efeito priming tem um papel relevante na decomposição de detritos vegetais mediada por microrganimos decompositores e invertebrados fragmentadores nesses ecossistemas. Nossas descobertas destacam a relevância de espécies vegetais raras (especialmente as espécies raras funcionalmente dissimilares), da manutenção de proporções naturais de espécies em florestas ripárias e do efeito priming para o funcionamento de riachos tropicais. Diante disso, esta tese tem o potencial de contribuir com questões práticas da restauração de zonas ripárias (principalmente do Cerrado), uma vez que indica que as espécies e os aspectos mencionados acima devem ser levados em consideração em projetos de restauração futuros.